Jantar a Três

Marieta passava as tardes a preparar o jantar para o esposo. Mas não ficava só na comida. Ela arrumava a mesa, os talheres, os pratos e tudo o mais, como se fosse sempre a primeira vez. Não esquecia um só detalhe. Cada coisinha era posta no seu devido lugar, com meticulosidade e deleite. Tudo para agradar ao amado, que passava o dia inteiro enfiado em um escritório insalubre e infernal. O que, no fim das contas, dava maior valor ao rotineiro e magistral acontecimento.

Testemunha presencial de tamanha prova de amor era Felipa, a filha do casal. Aliás, ela também ajudava nos preparativos da solenidade. De seus longos nove anos de vida, três ou quatro deles haviam sido dedicados à nobilíssima tarefa de auxiliar a mãe. Felipa adorava decorar a mesa com flores, velas e outros tantos arranjos. Não media esforços para que o jantar a três acontecesse exatamente igual, dia após dia.

O mais interessante era o cardápio: sempre o mesmo. Todos os dias! Invariavelmente!

__ Felipa, vem jantar, que o papai já chegou!!

__ Tô indo, mãe!

E assim a bela família ceava, todas as noites, de todas as semanas, de todos os meses, de todos os anos, ao longo dos anos.

* * *

Felipa agora estava com quinze anos, e andava muito triste com a mãe. Afinal de contas, ela já era uma mocinha e não queria continuar fazendo aquelas bobagens de arrumar a mesa para o pai.

Dona Marieta só enxergava a menina, não conseguia ver a moça; pensava que o tempo havia parado. Por isso, brigava com ela. Pedia. Implorava por sua ajuda. Felipa, coração mole, acabava cedendo. E tome pratos, e tome talheres, e tome isso, e tome aquilo...!!

__ Felipa, vem jantar, que o papai já chegou!!

__ Tô indo, mãe.

* * *

Cada vez mais chateada, Felipa não via como livrar-se daquela situação. Queria largar mão daquilo, mas não tinha coragem de abandonar a pobre e envelhecida mãe. Nem se casara por causa desses jantares. Desde que se entendera por gente fora daquele jeito, dia após dia, semana após semana, ano após ano...

Como deixar a mãe sozinha?!

E uma vez mais Felipa ponderou. As duas se abraçaram. Dona Marieta agradeceu à filha:

__ Muito obrigada, minha filha. Você sabe que isso é muito importante pra nós três. Foi sempre assim, desde que você nasceu. E tem outra coisa... Coitado do seu pai! Ele trabalha tanto, não é mesmo? E você vê como ele fica tão feliz quando chega e encontra tudo arrumadinho, do jeitinho que ele gosta?

Felipa apenas olhou a velha-mãe-velha à sua frente, soluçando ao falar, mas sorrindo por dentro.

* * *

Na sala de jantar, tudo arrumado para o grande e esperado momento.

O relógio denunciava que a hora solene estava chegando. A jovem-senhora-menina Felipa, no auge de seus trinta e cinco anos, aguardava o chamado de todas as noites e de sempre. E ele surgiu... majestoso!

__ Felipa, vem jantar, que o papai já chegou!

__ Tô indo, mãe...

E o jantar a três aconteceu dentro do previsto, como de costume.

* * *

__ Felipa...vem jantar... que o... o papai já... já chegou!

__ Tô indo...

Já começando a arquejar, a anciã-menina Felipa, agora com sessenta e dois anos, dirigiu-se à ceia solene.

Outro jantar.

Foi o último.

Eis que um dia tudo chega ao fim.

Após ter acabado de jantar, Dona Marieta morreu, inesperadamente. De repente!!

No enterro, sem qualquer solenidade, só Felipa assistiu ao adeus da pobre mãe que partia.

Dona Marieta estava sozinha. Sozinha como nunca estivera antes. Mas, com certeza, em algum lugar do outro lado, o esposo a aguardava para o jantar. Afinal de contas, há sessenta e dois anos ele ansiava por isso.

Gentil Tadeu Gomes
Enviado por Gentil Tadeu Gomes em 26/04/2011
Código do texto: T2932299
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