O Fugitivo

Havia horas que ele estava ali, todo encolhido feito um bicho selvagem encurralado, olhos acesos a esperar pelo pior. As mãos frias abraçavam as pernas contra o corpo. Às vezes o cansaço mostrava suas garras e o fazia cerrar os olhos, tontear, inclinar-se para cair. Queria dormir, mas não podia deixar isso acontecer. E logo voltava à lucidez estressante que o corroía segundo a segundo. Sabia que os inimigos estavam ali por perto à sua procura. Sabia que não podia dormir ou ao menos vacilar; isso talvez significasse o fim.

Pensou em correr desesperadamente com todas as suas forças, mas logo desistiu. E se o pegassem? E se estivessem esperando exatamente por isso? Não!! Ele não podia se arriscar. Ao menor deslize tudo estaria perdido, jogado por terra. Depois, a captura e a morte.

Um barulho de motor...

“São eles!!”

O corpo tremia incontrolavelmente. A boca secou. Uma tensão maluca tomou conta de sua mente. Os espasmos de pensamento ricocheteavam por todos os lados. Os olhos buscavam a origem daquele som que enchera o ar de horror e pânico.

Vozes!

Desejou suicidar-se e acabar logo com aquilo, porém não havia coragem.

Por fim, tentou acalmar-se. Quem sabe não teria sido apenas e tão-somente impressão sua? Quem sabe não estaria apenas delirando em virtude da fome, do medo e do cansaço?

“Melhor esperar.”

* * *

Lembrou-se de uma vez em que, fugindo de apanhar da mãe, escondera-se no forro de casa.

Após escalar o criado-mudo, escalou também o guarda-roupa e alcançou o esconderijo. Fechou a tampa do alçapão sem fazer barulho e, pouco tempo depois, ouviu a mãe vagar pelo quarto à sua procura. Trancou os olhos e a boca. Respirava devagarinho.

De repente percebeu não estar só. Teve ímpeto de gritar, debater-se, sumir dali, mas o medo da surra foi maior. Com muito cuidado e delicadeza, fazendo careta e suportando um desespero horrível, vagarosamente esmagou uma barata que passeava tranquilamente por sua perna. Assim que o fato consumou-se, sentiu pena da pobre coitada. Imaginou-se em seu lugar. Ela, com certeza, poderia esperar qualquer coisa no mundo, menos ser esmagada pelos dedos meigos e frios de um menino que se escondia da mãe, no forro da casa. E se ela tivesse filhinhos para cuidar? Talvez estivesse justamente buscando comida pra eles. E agora? Coitada...

Um barulho...

A mãe fechou a porta do quarto e saiu.

Mas e se ela não tivesse saído?

Desconfiado e com medo, achou melhor ter certeza de que o quarto estivesse vazio. Porém não demorou muito para que dezenas de baratas invadissem seu corpo todo. Num quase estado de loucura, começou a gritar e a debater-se. A mãe, ouvindo os gritos abafados do filho, voltou ao quarto e ajudou-o a terminar de descer do forro. E mal tocara os pés no chão levou uma saraivada de tapas e beliscões.

* * *

Lembrando-se desse episódio, imaginou que ali deveria haver baratas. Preparou-se para matá-las. Agora era um homem, não fugiria delas como da outra vez. Que viessem aos milhares!

Alguém cochichou alguma coisa!! Teria sido a seu respeito? Teria sido descoberto? De onde viera o som? Parecia que tinha vindo do alto.

O pavor aumentou. Seus olhos e ouvidos eram radares em busca dos inimigos. Não podia ser descoberto! Não podia ser pego! Sabia que, se isso acontecesse, seria torturado e morto, sem piedade.

A noite ficou mais escura. O esconderijo, mais frio. Um pensamento negro e acre cortou sua pele e penetrou nos ossos. Não estava aguentando mais! Queria sair daquele lugar sombrio e tenebroso. Queria erguer-se e voar para qualquer outro lugar, desde que bem distante dali. Um lugar em que não quisessem torturá-lo. Um lugar em que não quisessem matá-lo. Um lugar em que pudesse andar e viver em paz, sem ter que fugir eternamente.

A vista pesada e temerosa começou a embaralhar as ideias.

O cansaço.

O sono.

Há quanto tempo estava ali? Perdera a noção do tempo...

As pálpebras estavam furiosas; queriam baixar e desintegrar-se. Ele não podia mais suportar.

Subitamente teve a impressão de ouvir um ranger de porta. Quis olhar em volta. Mal conseguiu entreabrir os olhos. Como pesavam!

O raciocínio não fluía mais.

Estava dormindo ou estava acordado?

Por um momento teve a impressão de que enxergara um vulto. Era uma mancha branca que se aproximava e se afastava, se aproximava e se afastava.

Silêncio...

Nenhum barulho era ouvido.

Pouco a pouco tudo desapareceu.

Não havia mais som, mais vulto, mais esconderijo, mais nada!

Alguns instantes depois, a porta do quarto foi aberta.

Dois enfermeiros recolheram o corpo ao necrotério.

Gentil Tadeu Gomes
Enviado por Gentil Tadeu Gomes em 25/04/2011
Reeditado em 25/04/2011
Código do texto: T2930215
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