A máquina de refrigerante

A máquina de refrigerante no hall da empresa onde eu trabalhava vivia com defeito. Mesmo assim, as pessoas insistiam em botar dinheiro dentro dela e negociar a liberação de uma latinha. Quando não descia nada na calha e a máquina produzia uns ruídos metálicos estranhos nas suas entranhas, o cidadão, ludibriado e pê-da-vida, dava uns soquinhos do lado do casco refrigerado da engenhoca, esperava um minuto inteiro e, como não via nem sinal do seu refri e muito menos da sua grana, desferia um chute raivoso nas partes baixas da pobre invenção.

Nunca criei caso com a máquina. Nunca fui muito fã de refrigerante e, por isso, nunca perdi um trocado sequer para ela. Sorte a minha, pois, um dia, a coisa simplesmente enfezou.

Aconteceu no dia em que eu estava para deixar a empresa. Estava apenas esperando a secretária do RH me chamar para assinar a papelada e pegar com o diretor do setor uma carta de recomendação, porque eu, ao contrário da máquina de refrigerante, nunca causei qualquer espécie de embaço no meu trabalho.

Estava sentado numa das cadeiras acolchoadas do hall, vendo o movimento do pessoal, acenando para os meus futuros ex-colegas, quando vi um visitante chegar, todo exausto, da rua. Ele falou com a recepcionista, em seguida sentou-se algumas cadeira de distância de mim. O homem se abanava todo com uma pasta de papelão, do jeito que alguém que correu uma maratona faria, caso estivesse vestido de terno, como ele estava.

O homem, morto de calor, enfim bateu com os olhos na máquina. Eu estava para avisá-lo de que ela só funcionava quando estava mesmo muito a fim e isso geralmente só ocorria com algum sortudo funcionário. Ela parecia detestar os visitantes; de fato, nunca funcionava para qualquer um deles e devorava seu dinheiro como se fosse combustível. Bem, eu queria avisá-lo para não perder tempo. Nem dinheiro. Mas resolvi deixar para lá. Eu estava para ir embora mesmo e o que acontecia ali dentro não me dizia mais respeito.

O homem levantou-se da cadeira, já passando a mão na carteira. Parou diante da máquina e lá se foi o seu dinheiro, desaparecendo pelo orifício na parte frontal da mesma.

Como eu esperava, os segundos passaram, completaram um minuto. Dois. E nada aconteceu.

O visitante encarou a máquina, mais suado do que nunca, uma expressão insondável no rosto.

Ele deu uns tapas vigorosos. Sem resultado. Partiu para os socos. Nada. Enfim, veio o chutão.

Aquele ruído metálico, mais alto do que de costume, veio das entranhas da máquina.

Agora, tanto eu quanto a recepcionista estávamos olhando o que se sucedia a poucos metros de nós. Os dois em curiosa expectativa.

O homem ameaçou mais um chute. Quando seu pé estava prestes a se chocar com a máquina, a chapa metálica onde havia a calha se abriu numa boca enorme, esticou-se como se fosse elástica e antes que eu ou a minha futura ex-colega recepcionista tomássemos qualquer providência, o homem desapareceu, foi engolido, inteiro, pela máquina de refrigerante.

Antes que eu pudesse me refrear, já estava me dirigindo até o monstro, que acabava de voltar a sua forma normal e absolutamente inanimada. Quando parei diante dele, estupefato, um arroto de satisfação, alto e despreocupado, soou vindo do mesmo lugar de onde saíam as latas de refrigerante. Em seguida, fui presenteado com uma dessas, bem gelada, que saltou em direção ao meu peito. Como um presente.

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 23/04/2011
Reeditado em 24/04/2011
Código do texto: T2925687
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