A MULHER QUE ATIROU NO SOL
A MULHER QUE ATIROU NO SOL
O fato que vou lhes contar aconteceu a mais ou menos uns trinta anos atrás. Não. É pouco. Quarenta? Sessenta? Ah! Sabem de uma coisa, o tempo exato que aconteceu não posso lhes precisar, só sei que faz muito tempo.
Os protagonistas desta história eram cinco personagens, ou melhor, dizendo, uma família constituída pelo pai, o senhor Joaquim Ponciano, mais conhecido como coronel Ponciano, que além de bem quisto na região, era o apaziguador e intermediário de todas as dificuldades que ocorriam em relação às posses de terras, brigas e até mesmo pequenas pecuinhas daquele povo.
Cidadão culto, vindo da capital com um bom número de réis na guaiaca, comprara todo aquele vale verdejante, que iam além do que os olhos podiam imaginar.
Junto trouxe sua esposa, a dona Izabel, bela, esguia, morena de cabelos longos, lisos e negros como a noite.
Era admirada pelas suas maneiras delicadas no trato com os filhos e no esmero com que cuidava da casa.
Seus filhos, Antonio, José e João, eram os meninos mais educados que se conheceu. Sabiam o be-a, bá, somar e multiplicar, como poucos de sua idade.
O coronel Joaquim Ponciano havia construído uma bela casa de madeira, com ampla varanda que dava volta em forma de um L. Em volta da casa a prestimosa Izabel fez um belo jardim gramado, todo mesclado com rosas e flores miúdas. A casa fora pintada com cal. Logo abaixo havia a mina que além de abastecer a residência, ainda servia para regar a bela horta e saciar a sede dos animais.
Lá no fundo corria por entre as árvores um riacho, no qual foi adaptada uma roda d’água para fazer funcionar o monjolo que trabalhava dia e noite, socando o milho, limpando o café e o arroz.
A fazenda do coronel Ponciano era toda cultivada com uma diversidade de produtos. Plantavam a cana-de-açúcar, para fazer o melado, a rapadura e o açúcar mascavo, que era comercializado na cidade mais próxima, juntamente com os cereais e o algodão. Ali tudo se produzia, pois, a terra roxa era fértil e fazia daquela fazenda uma das mais belas da vizinhança.
A cada seis meses, o coronel e seus dois filhos mais velhos iam em comitiva, em cargueiros e carroças até a cidade grande para fazer as compras necessárias, como o sal, os tecidos, os medicamentos e as munições para suas armas, além de alguns mimos para a esposa e os filhos.
Dona Izabel ficava com o filho mais novo, para cuidar da casa e das plantações e animais.
O tempo se escoava rapidamente. O inverno se aproximava e teriam que aproveitar para ir buscar os gêneros alimentícios necessários para sua sobrevivência por mais seis meses.
Arrumaram suas tralhas, as mercadorias para o comércio e com os bois atrelados no carroção e as mulas cargueiras carregadas, despediram-se da Izabel e do João e lá se foram, sertão adentro. De longe se ouvia o rugido do carroção e o berrante tocando.
Porém, o que ninguém imaginava, é que aquela seria uma viagem diferente. O céu, com poucas nuvens anunciava de que teriam um dia frio. A madrinheira na frente, com seu cincerro e a sua cabeceira o ponteiro com seu berrante entraram mata adentro, pelas picadas rumo a seu destino. Chegaram a percorrer seis léguas naquele dia. A noite chegou, era preciso parar para repousarem em suas barracas improvisadas.
Acenderam uma pequena fogueira para se aquecer e preparar o seu jantar. A água borbulhava na velha chaleira preta de ferro, enquanto o chimarrão passava de mão em mão. Ao redor, ouvia-se o som de inúmeros animais: lobo, anta, paca, capivara e alguns pássaros que assustados surgiam repentinamente.
Ao luar, servia-se do delicioso feijão tropeiro, num caldeirão de ferro, suspenso na trempe sobre o fogo. Vencidos pelo cansaço, cada um se abrigou, com seus ponchos azuis e vermelhos, e revesavam-se durante a noite, pois, sempre um precisava ficar acordado, alerta as surpresas que podiam acontecer.
Algumas semanas antes da viagem, o coronel Ponciano havia sido chamado para apaziguar uma bronca de terras entre dois vizinhos, pois um alegava que o outro estava invadindo aos poucos suas divisas. O coronel Ponciano como sempre, depois de muita conversa conseguiu convencer os dois a entrarem num acordo amigável. Parecia estar tudo esclarecido, porém, o que não imaginava, era que o suposto invadido não concordou e prometeu vingança, dizendo aos seus companheiros que aquilo não ficaria assim.
Altas horas da noite acordaram assustados, com a gritaria, tiros e muito barulho. Era uma tocaia que haviam preparado contra o coronel Ponciano, seus filhos e companheiros de comitiva.
Nem tiveram tempo de reagir, os traiçoeiros e audaciosos adversários não perdoavam. Montados em seus cavalos, a argola do rabo do tatú reluzia a distância, digladiavam-se sem nenhuma piedade. O primeiro a ser atingido foi Antonio, filho do coronel Ponciano, a seguir dois capangas que tentaram reagir e por último o próprio coronel, atingido a queima roupa. Os demais tentaram fugir pela mata densa, porém ao rugido das espingardas e revolver sucumbiram o José e o seu amigo Brás.
Os animais desatrelados fugiram em disparada. Os bandidos saquearam tudo o que puderam, simulando se tratar de um assalto, porém, o que não imaginavam, era que o capataz Cícero havia conseguido fugir adentrando-se pela floresta. Dias depois chegou ao lugarejo trazendo a notícia da cruel chacina.
Todos lamentaram muito, pois o que seria da dona Izabel, apenas com o seu filho caçula, e sem seu esposo, filhos e empregados.
Os dias foram se passando, e Izabel procurava levar sua vida. Agora o trabalho era redobrado. Sem dinheiro nem homens para a lida, transformou-se numa mulher forte e determinada, mas como diz o ditado: “desgraça pouca é bobagem”.
Chegou o mês de julho e com ele a geada negra. Queimou todo pasto, cafezal, e as outras culturas. Seguido da geada veio a seca que atingiu a região, permanecendo meses sem um pingo sequer de água. A terra ressequida atraia incêndios que ocorriam em profusão. O céu acinzentado pela fumaça e as fagulhas do capim cobriam tudo, mudando aquele cenário outrora verde e florido. Aos poucos os animais que sobreviveram, foram ficando magros e fracos, cambaleavam em busca de alimentos e água, até não mais resistirem e caiam mortos no chão.
O pequeno João foi ficando tísico e não havia no lugar quem conseguisse reanimá-lo. Grande era a aflição daquela mulher. Todos os dias, dava volta em sua propriedade clamando aos céus por chuva.
Conforme o tempo foi passando, Izabel ficava mais confusa. Certo dia levantou bem cedo, e começou a dar voltas e mais voltas ao redor do sol, esbravejando por ele ser o culpado de toda a sua desgraça. Perto do meio dia, entra em sua casa, e ao ver seu filho agonizando, não suportou tamanha dor. Pegou sua espingarda e mirou o sol que estava em seu topo. Meio dia. Dá um grito horrível:
- Sóoool! Você é o culpado por tudo! Vou acabar com você!
Houve-se um estrondo. Bumm!
Atira e no mesmo momento, fica petrificada.
A notícia correu. Todos foram até o local, porém, só encontraram um monte de pedras em meio a um círculo de rastos e dentro da casa o pequeno João morto.
Há quem diga que ao meio dia, quem passar por aquele lugar vê a estátua de uma mulher de pedra e que ao meio dia e um minuto ela se desmancha num monte de pedras.
Muitos que fizeram romarias para ver a tal mulher, mas sempre acontecia algum imprevisto e nunca conseguiam chegar na hora exata da aparição.
Hoje, aquele lugar que outrora era um belo vale, transformou-se num morro cheio de abismos e sem nenhuma serventia para plantações ou criações de animais.
Uma verdadeira pedreira, da qual só se extraem pedras para pavimentar as ruas da cidade.