a chama da vela
Sonhei. Há muito não sonhava.
Havia uma casa. Eram dois andares, as paredes cobertas por um amarelo opaco. A escada em formato de caracol se esgueirava pelo interior da sala, enferrujada. Do andar de baixo, vi uma janela cujo vidro transparente mostrava a torre de uma igreja. Eu segurava uma vela roxa, acesa. Subi. Conforme eu ia serpenteando pela escada, a chama da vela dançava. Nivelei com a janela, a vontade de abrir foi latente. Abri. A chama da vela tremeu, o vento meio sujo e modorrento preencheu o cômodo. O cheiro de outono, o cheiro de liberdade. Senti vontade de voar, mesmo que fosse com asas de papelão. Desci correndo a escada, sorrindo, saí pela porta e comecei a correr, sorriso no rosto, um braço esticado, o outro ainda segurando a vela acesa. As pessoas na calçada apontaram dizendo “look at him, he’s trying to fly!”. De repente um policial correu atrás de mim, quis saber o motivo de eu estar correndo. Virei sorrindo, sem parar de correr, a vela ainda acesa, e disse “Just because I want it!”. Me dei conta de onde estava, era a minha cidade, aquela onde eu deveria ter nascido, aquela do outro lado do oceano. Oceano. Foi aí que me dei conta. Parei, caí de joelhos. Eu estava longe de casa, longe dele. Oceano. Senti a dor. Lembrei que, além de estar do outro lado do oceano, ele não era mais meu. O chão se abriu; areia movediça. Senti mais dor. Vi o rosto dele. Senti mais dor. Ele sorria para mim, me fazendo sentir mais dor. Ele estendeu a mão na minha direção, aquela mesma mão que tocava o piano. Estendi minha mão também, queria ir com ele. A chama da vela apagou. Acordei.