A VIDA PEDE PASSAGEM

Subi até a montanha mais alta. Saltei de um lado para o outro, subi em cima de uma pedra para sentir-me, realmente, no topo do mundo. Respirei as nuvens brancas, respirei as matas verdes e respirei o céu de azul intenso e, assim, bem nutrido, voltei à cidade. Ali eu não respirei. Tranquei a minha respiração, fechei o meu coração, derrubei a minha casa que mais parecia uma prisão e fui dormir no quintal. No dia seguinte fui a pé para o trabalho, à hora do almoço evitei a refeição. Na volta para casa, ou melhor, quintal, caminhei à exaustão.

O céu estava cinzento, enegrescendo-se mais e mais devido à chuva que se aproximava e aos altos índices de poluição. O calor era de matar, eu suava, tinha sede e medo. Era um medo indecifrável, medo e prazer. Estou ficando louco? Perguntei-me. Senti uma leve tontura. Comecei a tremer, senti calafrios, o estômago gritou. Apertei o passo. Cheguei ao meu destino nesse estado deplorável. O quintal não era tão grande, havia uma pequena horta e uma goiabeira, a área restante era cimentada. Sentei-me no chão e recostei-me no tronco da goiabeira, único abrigo que me restava. Minha mãe foi quem a plantou e eu nunca deixei que a cortassem. Naquele momento era a minha mãe, presente, a me reconfortar. O vento chegou. Um vento barulhento daqueles que costumam trazer tempestades. Pequenos pingos atingiram-me. Outros pingos se seguiram. Fiquei curioso em como seria a chuva que estava prestes a desabar? Como seria permanecer ali quieto a observar o trajeto das águas? Eu ficaria ensopado ou seria uma chuva de verão? O vento agrediu meu rosto com pequenos objetos suspensos. Redemoinhos cercaram-me em descarada intimidação. O céu escureceu de vez. Grossos pingos dágua salpicaram meu corpo, a chuva caía perpendicularmente, o vento vinha do norte e arrastava papéis, folhas, gravetos e terra, meu corpo se molhava por inteiro. A goiabeira com seus galhos agitados, tão atrapalhados que não conseguiam reter a intempestiva chuva. Porém, isso já não me importava, pois a chuva me queria e eu a queria, decididamente.

A água começou a cair com avidez e constância. Era uma chuva bem constituída, ela caía com coragem e vontade. Não demorou muito para que meus pés, pernas e meu traseiro estivessem mergulhados em um lago cinza imundo. Senti ardência e coceira nos membros que estavam sob a água. Hiperacidez, refleti, o ácido deve estar corroendo a minha pele, preciso sair daqui.

Pensei que tudo estava uma merda e que pior não poderia ficar. Permaneci imóvel, mas a chuva não. Ela tinha urgência em chegar ao chão, tinha urgência em encontrar o solo, voltar aos rios, ao mar, ao lençol freático. Ela tinha pressa e não encontrava o caminho livre. A chuva ia caindo e a agua ia se acumulando. Nessas alturas eu já estava mergulhado até o peito e meu corpo se mexia com a força da água, se desprendia do chão querendo flutuar. Agarrei-me ao tronco da goiabeira como se abraçasse a minha mãe. Mãe... pensei em minha mãe. Em como ela era boa. Como ela me protegia e não deixava que nada de ruim acontecesse comigo. Mas, agora, ela não está aqui. Somente a goiabeira a me sustentar. Meus braços doem, coçam e ardem e a chuva não para. Ouço um trovão, vejo um enorme clarão seguido de um estrondo ensurdecedor. Sinto a goiabeira se partindo, destroçada.

Mãaae! Grito, e, não vejo mais nada.

DoraSilva
Enviado por DoraSilva em 04/04/2011
Reeditado em 07/04/2011
Código do texto: T2888672
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