Descrença

— Como vocês podem acreditar em Deus? — o homem gritou, de sobre os escombros da igreja, para a multidão que o cercava — Olhem ao seu redor! Vejam a destruição, os mortos, a fome, irmão voltando-se contra irmão, olhem e vejam! Quantas vezes isto ainda ocorrerá e as pessoas erguerão as mãos para o céu pedindo auxílio divino? Deus não existe! Ele não existe! Esta devastação é uma prova. Todo este sofrimento é prova. Os milhares de mortos são, cada um deles, provas!

Tais palavras insuflaram o povo ao desespero, batiam contra o peito, esmurravam-se uns aos outros, ouviu-se tiros ao longe e correria. Se Deus não existe, então tudo é permitido, disse Dostoievsky, e foi a mesma conclusão que aquelas pessoas chegaram: então, tudo era permitido.

O homem sorriu e caminhou pelas ruas soterradas, embrenhou-se em becos vazios e escuros, saltou cadáveres e ignorou aqueles que lhe pediam comida ou água.

No entanto, alguém o agarrou pelo colarinho e o jogou sobre uns entulhos. Chutou-lhe a cara e depois escarrou sobre ele.

— Você? — o homem disse, limpando o sangue que escorria do nariz e boca.

— Mentiroso! Como ousa mentir deste jeito para o povo?

— É o meu papel. Este é o meu trabalho.

O agressor sentou-se sobre um monte de concreto, cobriu o rosto com as mãos e chorou.

— Como agradar as pessoas? Você cria algo complexo, trabalhoso, que lhe toma trilhões de milênios, e os outros acham que você tem a obrigação diária de gerenciar esta criação... Você dá às pessoas o livre-arbítrio, que lhes permitem discernir entre o bem e o mal, que lhes dá a escolha entre ajudar ou ferir seus próximos e, mesmo assim, todos esperam que você faça algo, todos põem sobre você a responsabilidade. E, no final das contas, ainda dizem que você não existe? Será que acham que não tenho mais nada para fazer?

O Diabo limpou o pó da roupa, enxugou o sangue num lenço e, gargalhando, foi embora.

Em meio às ruínas do mundo que desabava, sozinho ficou Deus.