Eu e minha sombra, minha sombra e eu
No balanço das horas, são três da tarde no pátio externo do manicômio judiciário, um sol de rachar os crânios mais loucos, eis que um destes dialoga com sua própria sombra refletida no muro de cinco metros de altura que o separa da realidade cruel do mundo lá fora:
- Sabe aqueles dias em que horas dizem nada?...
- Não, não sei - responde a sombra, e prossegue - não uso relógio, e além do mais não tenho tempo...
Um silêncio se faz, um silêncio de horas, de ecoar no interior dos crânios mais loucos e vazios... e de repente se quebra, ao soar a sirene estridente que anuncia a hora de deixar o banho de sol e voltar para dentro... e todos se recolhem aos seus 'aposentos', enfileirados, cabisbaixos, no mais absoluto silêncio...
No hall de entrada do velho prédio, agora vazio, tão vazio como tantos dos crânios loucos que acabaram de passar por ali, só se ouve o tic-tac de um velho relógio de pêndulo empoeirado pregado no alto de uma das paredes do cômodo claustrofóbico... tic-tac... tic-tac... tic-tac...
E a realidade cruel do mundo lá fora segue seu curso, isolada por um muro de cinco metros de altura. Já é noite, no interior do velho manicômio judiciário, e aqueles seres humanos que todos os dias dialogam com as próprias sombras agora dormem profundamente... tic-tac... tic-tac... tic-tac...