O FÉRETRO DUM CANTO VERDE
O dia nascia ensolarado num quase resquício de verão que prometia arder num sol a pino.
Pelo deck da piscina, sobre um já sofrido envernizado da madeira jatobá, de longe, ela me parecia novinha em folha, brilhante, em anatômica mas ressequida perfeição, verde como sempre fora, não fosse seu constante dinamismo musical que ali jazia embalsamado.
De barriga para cima e de pernas para o alto parecia dormir o sono dos justos, ou a desfrutar duma recompensada sesta da vida.
De repente, tomou movimento e iniciou sua caminhada silenciosa pela trilha inóspita que a fábula da vida sempre prepara para todos nós.
Quando me aproximei-que notoriedade!- notei que um exército de formigas, já sob um sol escaldante, a carregava solenemente, qual numa marcha fúnebre, a desprezar todos os possíveis canais de vingança da vida.
Afinal, ali seguia o féretro duma verde cigarra rumo ao seu destino final e desconhecido, ancorado pelo respeito das formigas que nunca param, a despeito da irreverente e contínua farra das cigarras que, estóricamente, sempre desprezam o árduo trabalho das formiguinhas.
Senti como se ali um verde esperança desbotasse o seu último sentido, estatelado num chão afônico de alto verão.
A natureza, respeitosa, emudecia.
Num último segundo, por sobre elas, um delicado sobrevoo duma borboleta amarela, como a reverenciar o mutismo daquele canto que , de súbito, se calara para sempre.
Soube que num voo rasante o homóptero se desequilibrou e sucumbiu à agua da piscina.
Entendi que a vida sempre nos manda as suas subliminares mensagens.
Nota do autor:
Conto verídico.