Paralisias

Corro sem ver o que esta a frente, está escuro! Vejo vultos estáticos, são árvores, eu acho. Sinto frio, é noite e estou correndo. Estou pasmo e apreensivo! Não sinto medo especificamente e, embora esteja num ambiente de mata fechada na mais plena escuridão, não me sinto angustiado por estar naquele lugar. O que me sobrevém é um sentimento de adrenalina que alimenta a corrida, me deixando alerta. O caminho é levemente íngrime e estou subindo a pés descalços alguma coisa, uma serra, imagino! meus pés misturam o orvalho de folhas caídas à areia negra típica de uma vegetação densa, de forma que minhas pernas, até onde alcancem os salpiscos por mim mesmo formados, estão quase cobertas da lama nativa. Caí por varias vezes, por causa da humidade do terreno e de sua forma levemente ígrime. Um escorregão, dois, tres e concerteza não precisarei dizer que já estou bem sujo, embora não me sinta assim… Não sinto, naquela lama que me envolve, exatamente a sensação de sujeira, muito pelo contrário, me sinto ligado a ela como os animais selvagens que por ali livremente circulam envolvendo-se naturamente com os resíduos da vegetação e do solo sem saberem, necessariamente, que não estão limpos e apresentáveis a qualquer zoológico! Eles não fazem essa comparação, nem poderiam, são livres, desconhecem as convenções impostas pela limitação das grades! Ouço sons, não o barulho de mata virgem sendo pisada pela primeira vez, como o que agora faço em meu correr desordenado, ouço garras rasgando a terra lisa de barro batido que ali foi assentado por inúmeras passagens, sempre dos mesmos animais e que a via constante abriu. Ouço tambem grunidos discretos tal como os de quem não quer alarmar a respeito de sua presença por estar apenas de passágem em seu caminho diário, aliás, noturno!

Naquela noite a lua não era cheia, não sei dizer que lua era, não entendo dessas coisas, só sei que era uma lua tímida de luz fraca. Paro de correr, estou ofegante e cansado da corrida! Nem sei por que corria, corro por impulso, corro por que estou fazendo isso desde o início, corro por que isso é um sonho, corro por que preciso correr… Parado e escorado numa arvore pude contemplar melhor aquele lugar: ruídos harmoniosos de movimentos conectados produzindo sons que se complementam em cadeia! O barulho do vento a assobiar por entre as árvores, o som dos galhos agitando-se por influência dos ventos, o murmúrio das folhas e o criquillar constante dos grilos formavam uma sinfonia suave de sons, tendo todos eles em perfeita conecção, como pano de fundo, o silêncio dos carros, o silêncio dos centros, o silêncio das gentes… A última coisa que me lembro diante de tantas sensações experimentadas naquele sonho era de não querer voltar!

Acordei hoje com uma sensação de paz e satizfação e pensei em escrever sobre essas imágens e impressões tão reais e ainda vivas na mente! Pensei que poderia enfim fazer o que há muito planejava mas ainda não tinha executado: registrar sonhos! Eu os tenho com uma certa frequência, mas nos últimos dias os tenho tido com uma intensidade maior. Estava ainda deitado quando tomei a decisão de começar imediatamente a escrever. Estendi os braços para trás, segurei fime na cabeceira puxando meu corpo a ela, me sentei, puxei uma perna de cada vez para fora da cama e abri a cadeira de rodas que vigia meu sono sempre ao lado do leito. Era domingo, atrasei a rotina de banho, café e atenção à família, rolei a roda fina da cadeira até a sala ao lado (uma espécie de escritório que tenho aqui em minha casa) com o objetivo de registrar por meia hora tudo que tinha experimentado! No caminho à sala de estudos vieram tomar-me, novamente, as imágens vivas do percurso percorrido no sonho: isso é bobagem, pensei! Era apenas um sonho idiota, não ando desde os nove anos, o que dirá correr, coisa de sonho, novamente pensei. Mas não parei, pois não eram meus braços que empurravam a cadeira até o cômodo, era a necessidade de prolongar aquele momento de vigor e liberdade que experimentei no sonho empurrando a safanoes aquela bendita cadeira de rodas!