CIDADE ESCURA
Na noite calada da cidade voraz, paz de criança logo se esvai, inocência perdida ao nascer, faz do ser um grande descobridor, descobridor de almas perdidas, de afetos não compreendidos. Naquele canto deturpado, enquanto andas, pensamentos se entorpecem. Lá se vai o caminhante a observar sem saber que o seguem. O oráculo ainda está longe, precisa apertar teus passos mais rápido que imagina, observam-te lá de trás, sabem em quais ruas andastes, com quem conversastes e a quem implorastes, sabem quais bocas frequentastes e quais carnes apreciastes. Sonhos de sempre precisam logo serem realizados, pois esta cidade agora necessita se iluminar.
O vento soa nas portas e bate as janelas, nos becos da silenciosa cidade escura, vê lembranças de infância com caras distorcidas e pensamentos entorpecidos, ali os amigos já querem outras brincadeiras, precisam de uma dose única que preencha suas veias com o que há de mais forte e os sustente por mais tempo. Anda tanto que a frente chega, pára, olha para os lados, está num beco; não conhece estas ruas? São antigas quanto você mesmo, memórias são seletivas, reeditadas, andando sem parar observa feições atenuadas e vibrações desestruturadas, faz caminhante pensar numa solução, às vezes até querer provar uma nova escolha que confirme a salvação sempre bem vinda para todos ali, para todos aqueles que se encontram enquanto é tempo na antiga praça pública, nas rodas de casos e acasos, mitos e fatos contados pelas pessoas que mais viveram e ainda o tudo desconhecem.
Chega a madrugada, o frio é grande, o calor maior ainda, as cabeças naquela cidade estão a ponto de explodir, pessoas parecem que irão atacar uma as outras, tem uns até que não mais cumprimentam pois não sabem com quem bem cresceram.Na praça central tão criativa e conservadora, andam agora meninos sem sonhos, seus pais eram os melhores, seus futuros cedo chegados, perdidos aos olhos de muitos antigos. No meio da noite, alguns vão embora, outros persistem com ela, zumbis, sem paixões e até jovens, esperam um redentor sem pressa que venha a garantir sua próxima euforia. Mais a frente, o caminhante prossegue e vê que a fé daquele povo não anda muito acesa, teus princípios tem sido abalados a troco de notas que assegurem bem estar no começo do mês. Isso trazia de algum modo para aquela cidade, uma espécie de descrença misturada com falta de esperança, que o diga teus jovens.
A cidade e o caminhante se entendem desde cedo, tem costumes semelhantes e prazeres espalhados por todas suas beiradas. A manhã chegará ao teu devido tempo, trará logo o resultado de uma noite mal dormida e não muito sonhada. No templo central muitos ainda rogam pelos que não se acharam ao longo de toda vida e não possuem mais forças para caminharem no meio dos sensatos. Caminhas, caminhas por muito tempo, viste o quanto tudo mudou, pessoas, casas, animais, ruas, todos ao seu parecer, apresentam formas alteradas, filosofias propriamente avançadas e caráteres únicos de caráter duvidoso. Ali uns o conhecem ainda, gritam de longe o caminhante pelo nome, não mudou em algumas ruas, tem uns que conservaram aquela velha essência salvadora. Quem está cego agora? Pode ser quem até enxerga, algumas vielas ainda estão sem governo, algumas casas continuam noturnas; assim diz o caminhante: quem ouve, que ouça e trate logo de salvar a política e o coração daquela cidade, necessitam também de se locomover,precisam crescer, aparecer; discurso é o mesmo no meio daqueles sedentos, diga logo a eles que salvará e se tornará o salvador, mande comida, chuva e empregos. Dia há de chegar no caminho do caminhante, feito bem ou mal, há de chegar quente àquela cidade, luz entrará nos olhos de todos, arrepiarão, muitos na cidade não suportam tamanha luz, vão se esconder, próxima noite será mais bem vinda, faces não precisam mostrar.