A Fé e a Potestade
Intangível, etéreo, irreal, intocável. Intocável. Feito ar, luz, espírito. Emoção, louvor, graça. Suponha comigo que viesse alguém a fim de tocá-lo. Ainda que subisse junto de Gabriel, cavasse ao lado dos que cercaram Antônio, não haveria de atingir tão irremediavelmente fútil matéria: era completamente intocável. Havia, dentro dele, uma profusão insolúvel de todas as virtudes que vinham a opor os sete. Escapavam, pelas beiradas, subindo em correntes, celestiais perfeições que nada conseguia alcançar, olho nenhum podia ver e ouvido algum decifrar. Nem as mortais, seus rostos suados e fala apressada, haviam de entender ou compartilhar de linguagem tão inacreditável.
Sobrevivia no fogo que não ilumina. No íntimo, no âmbito, no que nunca cala porque é de um sentimento celeste, capaz de causar o silêncio nas línguas todas do mundo, fazer do barulho intrincado da humanidade uma calada paradisíaca. E do paraíso fazer a terra, dos pecados dos homens fazer o templo novo a ele. E dele emergirão os anjos novos. E estes irão esperar o retorno do filho e mutilá-lo-ão. E irão consumi-lo e farão das mais antigas verdades, escrituras somente velhas. E encherão com ele o coração de tudo que há, e cada pequeno pedaço dele há de ser colossal e absolutamente divino dentro dos olhos dos homens. E os homens curvar-se-ão porque eram finalmente puros de raça e pecado. E na raça, no sangue vermelho desses seres, nasceria finalmente a morte de todos os dotados do sangue azul. E todos os endinheirados, tudo que é físico morreria. E, por fim, seria na terra a ausência completa de tudo. E viveriam aqui somente as imaterialidades de cada um. E seríamos finalmente livres. E seríamos finalmente desapegados. E estaríamos finalmente sóbrios.