TRISTE FIM DE UMA HISTÓRIA DE AMOR IMPOSSÍVEL
O Poeta estava apaixonado por uma personagem de quadrinhos!
Ela era tão, mas tão tão linda, perfeita, poderosa e inteligente, que ele, quando menos esperou, estava amando-a!
Não era nada demais, já que tinha sido sua criação, sua primeira tentativa de abandonar a Poesia e tornar-se um quadrinista.
Logo, era um pouco dele e do que ele queria que estava ali, naquelas formas, beleza, graça e atitudes que considerava ideais e apaixonantes!
Mais do que depressa, percebeu que deveria dar-lhe um parceiro, que ela não merecia ser solitária, merecia alguém à altura de seu brilhantismo e perfeição.
Só muito tarde descobriu que agira precipitadamente, ao vender os direitos autorais da seu super casal para uma marca consagrada.
Ao abrir a revistinha número 1 deparara-se com um outro personagem romântico abraçando as formas voluptuosas que criara em sua prancheta, sob o efeito da solidão e do álcool.
O novo personagem não era nada parecido com o seu alter ego, que desenhara espelhando-se no amor que sentia pela Mulher Impossível. Ele era forte, grandalhão, com cara de mocinho de farwest e cheio de boas intenções, e ela resumira-se a uma donzela indefesa que se metia em confusões e sempre precisava ser salva.
Indignado, telefonou para a editora e exigiu explicações a que não tinha direitos.
_Ah, fizemos umas mudanças, sim... A Mulher Impossível era muito independente, e o Artista, muito frágil e delicado! Sendo a maioria dos nossos leitores jovens inseguros e necessitando de identificação com alguma figura máscula e poderosa, invertemos um pouco as coisas, assim, o casal terá maior aceitação junto à garotada. Mas, o que é que você tem a ver com isso? Eles agora nos pertencem!
E o telefone ficou apitando no sinal batido em sua cara.
Foi quando ele teve uma triste epifania:
Sua vida inteira tinha sido assim: Nenhuma das mulheres que amara eram reais, e ele jamais fora um personagem modelo.
Foi por isto que desistiu dos quadrinhos e ficou apenas na Poesia, como nos últimos trinta anos, criando rimas para mulheres de sonhos que se satisfariam com um homem como ele, às quais dedicava seus poemas de amor.
Último quadrinho em vermelho com letras brancas: FIM.
O Quadrinista deu uns últimos retoques no olhar tristonho do Poeta, desenhando-o debruçado sobre um caderno de poesias com a revistinha da Mulher Impossível aberta numa cena em que ela beijava o super Artista, de olhos fechados.
Levantou-se da prancheta, repetiu o cd de blues que escutava sempre e foi até a cozinha pegar uma dose de uísque, sem ter a menor ideia de que ele também era um personagem e que eu poderia tê-lo feito feliz, se quisesse.
Mas acontece que ele é o meu personagem ideal, e estou loucamente apaixonada por ele.
Como poderia dar-lhe uma companheira? Eu morreria de ciúmes!
Termino o continho do Quadrinista com uma exclamação no último balão enquanto meu amor suspira a palavra FIM.
Levanto-me agora e afasto-me do computador, pego a minha dose de uísque e acendo um cigarro, enquanto repito o cd de blues que sempre escuto, sem desconfiar que sou a persoangem ideal de um dos poemas do Poeta:
Ela sorri beijos
Soltos no papel
Lambuzando em mel
Meus lábios e dedos!
Ela paira, louca
Nos meus olhos tristes
E sabe que existe
Mel em sua boca!
E eu poderia ser feliz, se ele também fosse, mas acontece que ele está terrivelmente apaixonado por mim, e, sendo incrivelmente ciumento e alienado da realidade, não me permitirá ter um companheiro que me ame, então, mesmo que eu não saiba, estou condenada à solidão.
Eu, o Poeta e o Quadrinista.
A solidão de se amar e desejar um personagem que nós mesmos criamos.
A solidão de se ser objeto de amor e desejo de alguém inalcançável.
A solidão de se ser um personagem imaginário, criado por outro que não existe, que foi criado por um personagem que criamos.