ANO 5735 - O DESFECHO (Natal Celestial) Parte 03 – AIJOU

ANO 5735 - O DESFECHO

(Natal Celestial)

Parte 03 – AIJOU

E Aijou despertou.

Como sempre ocorria após uma aula com o professor Platão, ele acordava com a cabeça meio que nas nuvens. Com fantasias e mais questionamentos que respostas.

Olhava para o teto de sua carroça. Na transparência, via um céu cinza e carregado, ainda tingindo de restos da aurora que insistia em passar pelas nuvens. Em pouco sua mãe e pai viriam saudá-lo.

Aijou era um garoto mirrado para a sua idade, pele branca, olhos azuis, sem um único pelo no corpo. Ele assim como muitos habitantes do planeta não tinha pelos ha muitos milhares de anos. O que chamava atenção nele é uma eterna expressão de pedinte, parecia alguém faminto implorando por comida, não podia ser considerado bonito, mas nem tanto podia ser considerado feio.

Seus pais faziam parte de uma grande facção da população do planeta chamada de rusé, viviam mudando de lá para cá em carroças que flutuavam como os velhos dirigíveis. Era comum eles deixarem as correntes de ar levá-los onde elas quisessem levar. Às vezes como agora estava nos equador e outras nos pólos. A família de Aijou fazia parte de um grupo pequeno de pessoas que cultuavam as formas líquidas do Azul, eles eram os “curator ex is aequora”. No planeta Azul também tinha um outro pequeno grupo de nezumi que cuidavam da terra os “curator ex terra”.

Em comum os nezumi tinham o amor por tudo o que é vivo, seja animal, vegetal ou mineral. E tudo merecia respeito. A minoria da população seguia algum conceito que podia ser chamado de religião, acreditar em Deus a muito deixou de ser feito, as pouquíssimas religiões que existiam cultuavam e cuidavam de uma parte do Azul.

A carroça de Aijou era flutuante e cada morador tinha o seu cômodo dentro dela e os equipamentos de navegação pouco ou nada eram usados. O cômodo de Aijou era todo decorado com penas, ossos e contas. Em cada parada que eles davam, ele descia e pegava uma recordação do local e essa recordação ia para a parede de seu cômodo.

Seus pais tinham escolhido aquele dia em especial para iniciá-lo como um “curator ex is aequora”, pois estavam no atual ponto do equador eles tinham todos os elementos para o ritual:

Água de Rocha, que estimula a força da física da pessoa e a sabedoria

Água de mar, que estimula a regeneração dos males e mantém a suavidade do ânima, afinal foi do mar que veio a vida.

Água de mina, que estimula a ligação do corpo carne com o corpo ânima. Também estimula a ligação do nezumi com o seu anjo, para alguns crentes este conceito é vistos com maus olhos. Para Aijou a mais importante propriedade desta água é estimular a ligação do nezumi com o seu animal de força, no caso de Aijou um golfinho

Água do mar doce ou água de junção, que é o encontro entro a água doce com a água do mar, esta estimula as ligações interpessoais, ajuda na hora da separação dos pais com os filhos e traz bom humor.

Água de cachoeira o que mais tinha naquelas regiões, esta estimula os afetos e os pensamentos

Água de rio para dar determinação e trazer bons pensamentos

Água de poço para trazer sabedoria e paciência

Água de lagos e lagoas para trazer a mente bons inventos e estimular a imaginação.

Água de chuva para limpar o corpo e o ânima para que as outras águas pudessem atuar

Água de orvalho a mais preciosa, seus pais coletavam desde o nascimento para este dia e representava a paciência e a fecundidade.

O ritual era simples, testemunhas, quase todos rusé levariam Aijou para cada tipo de água e emanariam sobre ele as propriedades daquela água.

Depois de banhado em todas as águas o iniciado e amigos, participavam de um banquete, legumes, cereais, verduras, grãos, tubérculos, flores e frutos e muita água e uma bebida chamada de breuvage fermenter que nada mais era que água, frutas maceradas e curtidas por um dia com a ajuda de um cogumelo aquático. O fungo causava uma fermentação rápida e suave na mistura consumindo o açúcar da fruta e dando características refrescantes a bebida. A mais popular era uma feita de cana de açúcar. A muito as carnes formam eliminadas da dieta assim como ovos e o leite.

Aijou saiu da cama ao chamado de seus pais, vestiu uma tanga feita por ele mesmo, tingida com urucum e adornada de penas e contas. Desenhou em seu corpo símbolos de uma civilização pré-colombiana chamada Nuaruaque e saiu saltitante da carroça, se não fossem as diferenças físicas e de alguns milênios de anos de evolução o pequeno Aijou com certeza passaria por um índio sul-americano.

“Pai quem serão minhas testemunhas?”

“Mãe as pessoas foram convidadas e vieram?”

Eram tantos questionamentos que os pais do pequeno nem tinham tempo para responder, mas uma pergunta chamou a atenção:

“Professor Platão virá?”

Shin, pai de Aijou a muito não escutava este nome e ainda lembrava-se de suas aulas no astral com o velho professor, sempre ensinando os desdobrados a pensarem.

“Aijou, talvez venha, talvez não. As pessoas que cá estão, vieram por vontade própria sem convites, no astral comunicamos ao grupo dos “curator ex is aequora” que iniciaríamos você nas águas e que o local seria aqui no equador.”

Mei que escutava tudo de longe complementou:

“Professor Platão talvez seja uma pessoa que não tenha um corpo físico e que viva apenas no astral, seguindo o movimento do sol e dando aula a meninos e meninas desdobrados, alguns falam que ele é como se fosse um protetor maior do Azul. Outros falam que ele não quis ter corpo, pois ainda espera encontrar a sua alma gêmea.”

“Mãe, em aula o professor falou que Bishounen e Bishoujo são almas gêmeas, o que significa?”

Perguntou Aijou.

Mei pegou o pequeno Aijou pela mão e levou para a fora da carroça, na outra mão trazia um vasilhame para líquido. Indo até uma fonte ali perto perguntou para o filho:

“Aijou o que é isso?”

“Água de fonte mãe.”

Mei pegou encheu o vasilhame com a água e perguntou para o filho:

“E agora o que tenho aqui filho?”

“Água!”

“Muito bem Aijou, mas faltou à palavra água de fonte.” Pegou dois copos serviu da água de fonte para ambos.

“E agora Aijou o que temos nos copos?”

“Água de fonte mãe”

“isso meu filho, beba, mas beba tudo.”

O filho bebeu tudo

“Mãe o que isso tem haver com alma gêmea?”

“A alma gêmea é isso meu filho, todos nos somos feitos de uma mesma fonte. Imagine a maior fonte que a sua imaginação puder. Agora imagine alguém pegando toda esta água e colocando-a num reservatório. Imagine agora que este reservatório foi dividido no meio. Uma parte ficou no local de origem e outra foi para um ponto distante. O que temos aqui Aijou?”

“Temos água de fonte e reservatório, só mudando o local” falou Aijou, tentando compreender onde a mãe queria chegar.

“Isso mesmo, é apenas água em duas grandes caixas, mas cada caixa passara por experiências diferentes, e um dia, essas caixas se dividiram e viraram quatro, e de quatro viraram oito e de oito dezesseis. Mas você concordara comigo que tudo é água. Serão muitas caixinhas, há água congelada, a água em vapor, água mais sujinha, menos sujinha. Depois de muitos bilhares de anos haverá uma caixinha tão pequena que conterá apenas duas gotas de água. Esta acompanhando Aijou?”

Sim estou, mas o que tem haver água com alma gêmea?”questionou o menino.

“Bem meu filho um dia a caixinha se quebrou, cada gota se separou, uma foi bebida por uma rã e outra por colibri. A gotinha que foi parar no colibri achava que apenas a gotinha que foi parar na rã a faria ela feliz, esquecendo que todas as gotas no fundo no fundo vieram da mesma fonte. E a isso deram o nome de alma gêmea.”

“Mãe, se todos nós somos da mesma fonte, por que procurar uma única gota em especial?”

“Filho, procuramos uma única gota em especial, pois vemos sempre as diferenças dos outros e não nossas igualdades. Quando mais evoluídos formos mais igualdades teremos e menos diferenças teremos. Ai nós deixaremos de ser uma gota procurando outra e seremos muitas gotas procurando outras muitas gotas até que um dia nós seremos livres novamente como a fonte que nasce no grotão.”

Aijou na sua curiosidade perguntou:

“E se minha alma gêmea foi embora para outro lugar do universo?”

“Se isso ocorreu era por que ela não era a sua alma gêmea?”

“Mas, se a gota do colibri fosse eu. E esta saísse nas fezes dele perante o vôo? A minha alma gêmea fosse à gota da rã, esta com a água da lagoa se misturou? As interferências do meio não iriam mudar tanto eu e minha alma gêmea que talvez jamais nos reconhecêssemos? Assim seriamos incompletos para o resto da vida?” Aijou perguntou tudo para a mãe de uma maneira tão retórica que Mei resolveu por um ponto final no assunto e foi prepará-lo para a cerimônia.