A Carola
A Carola
Vestida de branco e com seu guarda-chuva azul, ela parece um anjo caído do céu. A pele branquinha, marcada pelo tempo, mas com traços ainda da beleza juvenil, faz de Leonor, uma verdadeira divindade naquela cidade interiorana.
Para quem diz que a pele reflete aquilo que a alma sente, não entenderá o porquê das turbulências internas desta mulher que dedicou sua vida toda a Cristo e fez dele sua única paixão aqui na Terra e com promessas divinas de continuá-la no céu, não ser demonstrada na sua pele sempre serena.
A eterna donzela de Cristo sai poucas vezes de sua humilde casa, porém, não perde uma missa e faz questão de ser o exemplo do Criador para as humildes criaturas que a tem como um exemplo de bondade e fidelidade ao Todo-Poderoso!
Não é arrogante com os seus irmãos na igreja nem apedreja o pecador, ao contrário, prega sempre a bondade entre os seus semelhantes, mas não a diz em alto e bom som, prefere demonstrá-la praticando-a aos olhos de seus semelhantes.
Na sua residência, poucos móveis adorna sua salinha, apenas uma mesa de jacarandá e uma moringa onde deposita as flores que colhe do campo toda manhã. Na parede, um quadro do seu noivo, é sua única proteção contra qualquer mal que possa atacá-la em sua solidão.
Leonor, a esposa de Cristo, adora-o noite e dia! Nas noites de luar, se despe diante da imagem e acaricia os seios diante do Criador, mas depois com ar de arrependimento, tranca-se no seu quarto, ajoelha e pede perdão, prometendo repudiar seus sentimentos. Porém, no dia seguinte, volta a cair em pecado e diante da imagem banha-se nua, numa bacia cheia de pétalas de flor. Arrependida, novamente, recusa-se a encarar a imagem e sai para o seu quarto, sentindo-se suja, pronta para agüentar os seus pesadelos noite a fora.
Em muitos dos seus sonhos, aparece entre Deus e o diabo, ambos disputando-as como noiva e possuindo-a no meio dos fiéis que tanto aplaude a santidade da carola, que em breve subirá aos céus para reencontrar seu noivo.
Todas as manhãs vai com a mesma serenidade à igreja com a intenção de confessar ao padre seus delitos, mas ao ver a imagem de Cristo ao lado da sacristia, compreende que seu noivo prefere que o seu segredo seja revelado na eternidade, então, volta serena para sua casa, aos olhos dos pecadores da cidade que acenam para ela com ar de devoção.
Chegando à casa, olha para a imagem com olhos de pecadora, mas a imagem a convence de que não fizera nada que uma boa noiva não faria pelo seu noivo e ela contente corre para o campo, colhe flores, prepara sua bacia, põe sua camisola de linho branco e se prepara para despir-se na frente do noivo, mas ao entrar em casa, percebe que a imagem de Cristo foi tirada de sua parede.
Perturbada, começa a ouvir vozes, afirmando que seu Noivo fora destruído, que ele perdeu a luta para o anjo caído, aquele que faz maldade e que continua com a mesma serenidade na pele. Ele, o diabo, era como Leonor, bonito por fora, mas podre por dentro. Ela tinha sido escolhida para ser sua parceira na eternidade.
A carola com sua cara de anjo começa a rezar, mas o diabo está decidido! Beija-a! Tira sua roupa e ri de suas orações!
A beata invoca o nome do noivo e parece ouvi-lo chamar para ir à igreja, mas a porta de sua casa não abre. O diabo parece querer sufocá-la, prendê-la em sua casa por toda a eternidade.
De repente, como milagre, muitos santos aparecem na humilde residência e começa a duelar com o diabo, obrigando-o a curvar e deixar a esposa de Cristo em paz e no meio de tanto tumulto, o diabo exala no ar, levando consigo a casa da pobre Carola, que fica sem teto e nua ao luar no meio das flores implorando pela bondade do seu esposo.
Nada ouve. Até o vento parece ter parado de tocar o seu corpo. Grita o nome do Criador, mas ele não a ouve. Está só. Sente-se só! Corre para a igreja aos pratos, exigindo uma resposta do seu noivo. Bate na porta da igreja. Acorda o padre e toda a cidade. Nua, exige ser possuída pelo Criador. Todos apavorados não acreditam no que estão vendo.
A carola corre para o interior da igreja. Rouba a imagem de Cristo. Desce os degraus e exibe ao povo a imagem do seu noivo, acariciando-o, passando-o sobre seu corpo e exigindo dos fiéis que beijem suas mãos ou receberá um castigo do seu noivo.
O povo assustado olhava para a imagem e ouvia a ordem do noivo, que ordenava que todos obedecessem a sua noiva e assim todos começaram a beijar a mão da noiva de cristo, mas à medida que iam beijando, eram transformados em estátuas.
E assim a noiva de Cristo percebeu que agora estava sozinha na cidade, sem ninguém para admirar sua bondade, sem ninguém para aplaudi-la pela cidade. Seu rosto foi ficando escuros, seus traços já não eram mais suaves e num rompante jogou a imagem de Cristo escada abaixo e se ajoelhou diante do povo, exigindo aplauso, mas em vão, pois todos tinham virado estátuas e ela estava só na cidade, nua, sem teto, sem sorrisos e agora rogava aos céus para ser transformada também em estátua, mas o céu não a ouvia, ninguém a ouvia e pela primeira vez desejou ser a noiva do diabo e seu desejo se cumpriu.
O diabo desceu dos ares para buscar sua esposa e ela sorriu para ele e o seguiu sem olhar para trás, por isso, não percebeu que Cristo desceu do céu, pegou o véu de sua “ex-noiva”, enrolou os cacos de sua imagem e num gesto de bondade destruiu todas as outras imagens que tomou conta da cidade e levantando sua mão, fez aquela cidade virar trevas...