Carta de despedida, a psicografia

Eu sou um escritor, de vinte anos de carreira, mas ultimamente não ando vendo muitos lucros. Moro em uma mansão na parte nobre de São Paulo, a cidade dos acontecimentos, onde ao mesmo tempo que um grande empresário ganha bilhões de reais e do outro lado da cidade alguém está sendo morto por um assalto ou em uma enchente.

Sou privilegiado, não tenho o que reclamar quanto a minha vizinhança, mas há um porém: moro sozinho, sou muito solitário! Vivo noites e madrugadas bebendo e escrevendo algo construtivo em meu computador. No começo eu adorava, sempre fui um cara isolado, mas com a idade bate o medo. Será que vou terminar meus dias sem um herdeiro para um dia dizer que o pai foi um grande escritor? Como passar a vida sem seu grande amor?

Tive escolhas, mas desperdicei-as. Estava no início do casamento com a mulher da minha vida quando passei a ser alcoólatra, a pobrezinha não me suportava. Chegava da editora eu já me trancava no escritório e começava a beber até não conseguir mais falar. E só assim conseguia escrever, então passou a ser habito. Ia dormir todo dia às três da manhã com o odor insuportável de álcool. Ela não resistiu e me deixou em um ano de casados. Daí em diante nunca mais tive vontade de procurar outra pessoa e moro sozinho desde então. Já se passam cinco anos da minha separação, estou depressivo e mal acabado. Não escrevo como antes, me limito apenas de dor e solidão, interessante não?

Enfim, caro leitores finalmente vou lhes dizer o real motivo pelo qual os tomo tempo. Isso não é apenas uma carta de desabafo, mas de despedida! Isso mesmo, estou partindo. Para outro país? Não, mas para outro mundo. Onde creio não haver tanta tortura quanto na Terra. Tenho minhas dúvidas quanto ao local onde estou indo, pois apesar de ser espírita e entender um pouco sobre o assunto, creio não haver situação pior do que estou agora. Essa era a minha ideologia antes de cometer suicídio. Depois vi verdadeiramente como era ficar na Terra que apesar de ter temperaturas estranhas mal estabelecidas e enchentes que deixavam as pessoas desabrigadas, havia sempre a possibilidade de reconstrução, mas agora me encontro no purgatório a espera do julgamento dos Grandes. Se realmente vemos Deus quando morremos? Claro que não! Deus não é uma mera matéria que fica sentada no seu trono a espera dos carnais. Deus é um estado de espírito, um sentimento, um sorriso. Como você, leitora, acha que consegue ter filhos e permanecer em harmonia numa casa construída com amor e carinho? É uma benção! Mas e quando as coisas estão ruins? Quando lhe aparece uma doença terminal ou morre um ente querido, será que é a ausência da presença divina? É ai que se enganam, pois Ele faz isso com o intuito de nos fortalecer, de passarmos por experiências difíceis para que possamos ter uma aura mais evoluída. E o que eu fiz? Fui um babaca e não agüentei a pressão, fui logo me jogando do primeiro arranha-céu que subi. E agora o que será que me resta? O jeito é esperar pelos juízes.

Enquanto espero vou escrevendo-lhes através dessa psicografia feita pela minha cara amiga Marta, uma pessoa competente e com importantes contatos, essa foi a maneira mais inteligênte que achei para passar essa mensagem ao maior número de pessoas possíveis e me certificar de que você meu caro amigo deprimido não cometa o mesmo que eu.

Por favor, me acompanhem em silêncio, pois o anjo Gabriel está me convocando.

_Querido Arthur, pode me explicar, pelo seu ponto de vista o motivo pela fatalidade?

_Sim, Vossa Excelência. Eu não estava mais agüentando viver entre os mortais.

_Pelo fato de...?

_Apesar da Terra ser populosa tantas vezes mais do que devia, eu me encontrava muito sozinho, não tinha um motivo real para me manter vivo.

_Mas e suas expectativas quanto a deixar um herdeiro?

_Antes de subir para o terraço do arranha-céu passei de uma clínica e deixei meus semens, apesar de ser depressivo tenho esperanças que o meu próximo fará mudanças no planeta, quem sabe acabar com o aquecimento global?

_Esqueça dessa ideia meu jovem, a humanidade não é inteligente o suficiente para salvarem sua próprias vidas, vejamos um exemplo!

_Mas eu sou diferente!

_Não vejo o por quê. Se o mundo não se destruir por fogo vai se destruir por depressão. Vocês mortais são ingratos, Deus criou o homem e o amor e os idiotas sempre pendem para o lado do anjo caído, porquê? É mais fácil ter inveja do que ser generoso?

_Fui um idiota não é?

_Com toda a certeza!... Por que a expressão de surpresa? Achou que lhe diria que foi um homem certo enquanto se matava?

_A verdade dói. O que me resta agora?

Você querido leitor não sabe o medo que tive enquanto o anjo Gabriel cochichava no ouvido de Miguel.

_Você se encontra com trinta e cinco anos, certo?

_Sim.

_Segundo os planos celestiais você viveria até os setenta e cinco anos, teve a audácia de interromper quarenta anos, portanto viverá esses anos preso na Terra e nem tente pedir a um caça fantasmas para queimar seus restos mortais, pois isso é pura ficção, nunca funcionaria.

Depois dos anos de exílio, voltará aqui para o purgatório e iremos resolver quanto irá regredir sua aura e quantos anos ainda irá esperar para reencarnar novamente.

Pois é, esse foi o julgamento final e o martelo estalou.

Estou voltando para a Terra; voltando do céu? Não, o céu é apenas o que vemos do nosso planeta, um espaço infinito com nuvens e estrelas. Não sei para onde fui, mas não era o céu.

Onde estou? Na casa da minha ex esposa. Mas porque será que vim parar aqui?

Dou uma volta pela casa e encontro Rita no sofá com uma das mãos entrelaçada à mão de um robusto rapaz e a outra segurando um papel trêmula, só consegui vê-la de costas, então me aproximei, mas o que é aquilo? Não acredito! Rita está grávida e o filho não é meu, provavelmente é do idiota que está ao seu lado. Como pude deixar isso acontecer?

Para pensar um pouco me sento e coloco as mãos na cabeça, mas logo tiro assustado com os gritos de Rita.

_Jorge, deu certo! Não acredito! E desabou a chorar.

_Mas que diabos ela está falando? Penso eu.

Então Jorge se levanta e começa a falar.

_Não me agrada muito o fato de você está grávida de um cadáver, você sabe disso.

E então ela o abraça e eu não entendo nada.

_Seu bobo, você sabe que eu te amo, mas eu sei que esse foi o desejo de Arthur, o seu último desejo, se não fosse, não teria deixado seus filhotes na clínica antes de morrer. E quem melhor do que a pessoa que o conhecia muito bem para germiná-los?

Não acredito no que estou ouvindo, Rita está grávida de mim? Mas não é possível, será que fiquei tanto tempo assim no purgatório? É verdade! Me lembro de Fábio, um espírito que me comunicava, ele disse que lá perdemos toda a noção do tempo!

É bom saber que pelo menos uma coisa eu fiz direito, deixei um pedacinho de mim e quem melhor para acolhê-lo?

Pelo menos meus quarenta anos de exílio não vão ser assim tão ruins. Terei um filho para aconselhar!

Finalmente caros leitores me despeço, espero que reflitam sobre minha história de vida e não a repitam, por favor, se não, lhes prometo que mesmo estando no fundo do Tártaro voltarei da forma que estiver para lhe puxar a orelha. Estou lhe intimidando? Desculpa-me, não foi minha intenção.

Agora não tenho nada mais a dizer além de adeus. Se cuidem camaradas.

Pamela Faria
Enviado por Pamela Faria em 09/01/2011
Reeditado em 10/09/2011
Código do texto: T2719497
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