morcegos e colibris

Morcegos e colibris

j f da costa filho

Muito desejou intimidades com avezinhas tão delicadas. Mas as razões do destino o rolavam sempre em direção aos esgares horripilantes dos vampiros.

“Vai-te, satã, deixa-me sossegar o espírito!”, esbravejava, exorcizando a perturbadora presença do voante demoníaco.

Declinaram-lhe, com aval da ciência, que morcego era rato alado, evoluído ou involuído pelos caminhos dos séculos, nada mais.

Anacleto firmou-se convicto. Mas, precavendo-se das duvidanças, fez acrescentar às antigas exortações o rito da persignação. Proclamava-se, assim, mais seguro contra os realçados desígnios.

De começo, era personagem una. Depois, somaram-se tantas outras que adensaram legiões, transformando as abordagens em ruidosos tilintar de asas despenadas e enegrecidas. Formavam tremelicante cortina a embaçar a luz e o discernimento.

- Onde os colibris, caro doutor?

A pergunta era válida e vã. Os presentes olharam o ali e o infinito. Ne-nhum sinal de voadores. E ao causídico da saúde, que lhe informava o seu perquirir?

O pleiteante insistiu:

- Não vejo os colibris, doutor. Onde estão?

Anoitecia. Alguém lembrou uma conformação. Colibris são aves do sol. Não freqüentam o lusco-fusco. Recolhem-se ao menor salpico de escuridão. Não há como esperá-las, ou mesmo invocá-las num rematar de dia.

Com as sombras, chegou a revoada ululante e pairou cabeça acima e cabeça abaixo do anatemado. Então, sobre ele se fez ranger a ferrugem de robustas dobradiças. Lá no ângulo super-reto da celinha, acocorou-se e concedeu-se autodesmonte.

j f da costa filho
Enviado por j f da costa filho em 20/12/2010
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