Lipoabdução na Serra Pelada

Lipoabdução na Serra Pelada


Acabo de chegar de viagem. Diria que uma proveitosa viagem de trabalho. Foram três longos dias numa terra que não parecia fazer parte do Brasil, se não fossem as propaganda políticas que estavam por toda a parte: Dilma, uma verdadeira invasão de cartazes.

O que mais me causou estranheza foram os quitutes sempre apimentados, e o calor de mais de quarenta graus à sombra, o meu cérebro parecia estar se transformando em um vulcão, assim como meu estômago, a cada refeição. A primeira refeição foi surpreendente. Estávamos voltando de um reconhecimento em uma das reservas quando sentimos o impacto no jipe, o motorista parou, desceu do carro, jogou alguma coisa no capô e seguimos, horas mais tarde, descobri que o no jantar seria servido macaco assado e cérebro de macaco ensopado com batatas. Pensei nas minhas barras de cereais e nos cocos que vi na pequena sala de Dona Edina, eles seriam perfeitos para a ocasião. .

As pessoas como na maioria das cidades pequenas eram gentis e hospitaleiras e eu fiquei instalada na pensão da Dona Edina, uma mameluca bonita, porém sem alguns molares , nem por isso menos vaidosa, ficou encantada com as maquiagens e perfumes que levei. Mau nos conhecemos e não sei como, ela conseguiu me fazer presenteá-la com dois perfumes.

No último dia em que estive lá, Dona Dina, como passei a chamá-la resolveu preparar uma moqueca de peixe que exalava um perfume de pimentas que poderia ser percebido à quilômetros enfeitando com pimentões coloridos e outros condimentos que eu jamais imaginei que existissem.
Da mesma forma os mosquitos vieram me saudar e me deixaram presentes, sim, foram trinta e sete picadas de borrachudos , espalhadas pelas pernas, cochas e antebraços ( neste caso a iguaria fui eu), mesmo tendo tomada todas as vacinas possíveis e usado toneladas de repelentes não consegui me safar de todos os borrachudos famigerados, acredito que sobreviriam a bomba atômica como as baratas.

Logo depois de ter saboreado a moqueca de pimenta de Dona Dina, passeia ter tremores, calafrios, as picadas de borrachudos incharam e transformaram-se em calombros grossos e avermelhados, a febre definitivamente me fazia ter delírios e pelo que me contaram falei algumas coisas inadequadas, pois naquele momento só conseguia culpar as pimentas de Dona Dina,.
Os tremores persistiam até que chamaram o curandeiro da vila, não era exatamente um curandeiro, estava mais para conhecedor de ervas e afins. Assim que chegou, foi espremendo algumas folhas de boldo selvagem e exigindo que eu bebesse daquele sumo, experimentei forçada pelas circunstâncias , mas o que já estava ruim, ficou ainda pior. Ouvi quando alguém disse que havia um médico do outro lado do rio e apaguei, esse seria o primeiro de muitos outros apagões que viriam. Eu poderia jurar que morreria naquele lugarejo, vi quando me colocaram numa pequena embarcação e novamente apaguei, acordei duas horas mais tarde com soro no braço e a febre mais calma, deveria estar em torno de trinta e oito graus, foi quando finalmente vi o Dr. Edward, um missionário inglês que prestava serviços nas aldeias da região , entrou sorridente e falando com seu sotaque inglês foi logo perguntando:
_ Boa tardi, como istá?

_Viva! Respondi seca, percebendo que levou na brincadeira e compreendia perfeitamente meu mau humor.

Ele me explicou que tudo aquilo devia-se ao enorme número de picadas de “borachutos”, fez uma pequena inquisição sobre alergias e foi logo me aplicando uma injeção de “Fenergan”, não sei o que era isso, mas era algo que doía demais. Me senti culpada por acusar as pimentas da Dona Dina.
Assim que tive alta, fui direto para a pensão e de lá, seguiria até uma pista de pouso no meio da vegetação, sem saber o que me esperava e ainda muito debilitada pelo efeito das picadas e dos medicamentos, me vi diante de um bimotor, com asas enferrujadas e um piloto com cara de alcóolatra, entrei e me ajeitando o motor da pequena aeronave começou a movimentar-se e sem saber o que de fato ocorreu apaguei outra vez. A última cena de que me lembro foi a de Dona Dina acenando e falando o que eu entendi como boa viagem, o que me lembrava muito o anãozinho do seriado A ilha da fantasia.
Despertei e depois de ser conduzida finalmente ao avião que viria para São Paulo, fazendo apenas uma escala , sentei-me e ao meu lado um casal gigante. Sim gigantes em peso. Cada um deles deveria pesar pelo menos 120 quilos. Dessa vez seriam apenas mais duas horas e finalmente resolvi dormir antes de pagar pela milésima vez, não sei se pelo cansaço, pela moqueca, pelos mosquitos..não sei, pode ter sido por tantas causas que sonhei...
No sonho uma grande luz se formava no meio da aeronave e surgia um grupo de extraterrestres acinzentados e magérrimos, mantinha um diálogo mental com os passageiros e explicaram que eram seres pacíficos e que estavam em extinção, tinham como propósito realizar experiências onde seriam coletadas gordura humana para suprir as necessidades da raça.
Pensei e levantando a mão como uma aluna perguntei mentalmente.
_ Isto é uma lipoabdução? E foi uma verdadeira festa na aeronave quando um dos Et's respondeu que sim. Logo formou-se uma fila e umá um dos passageiros foi se voluntariando a perder alguns quilinhos.

Na minha vez fui levada não sei como a uma sala que lembrava em muito o interior de um micro-ondas e vi-me deitada ao lado de outra cama cirúrgica, pude ver o sorriso sem dentes e acinzentado da extraterrestre que receberia minhas gorduras através de enormes cânulas. Como num passe de mágica percebi que as bochechas da extraterrestre começaram a avolumar-se e eu me sentia leve e pensava que toda a gordura absorvida naqueles três dias estava indo embora e sorri feliz com o pensamento. Neste instante senti alguém me tocar, abri os olhos e era a comissária informando que acabamos de aterrissar e já poderia desembarcar. Levantei e vi o avião vazio, acompanhei a comissária me sentindo leve.

Continuo indo para casa, agora num táxi de cooperativa que deveria chegar em 45 minutos em minha casa, mas choveu e mais uma vez a avenida está alagada eu continuo inchada e o motorista, está me olhando sem dizer nada, de vez quando olha pra mim e deve estar se perguntando o que eu tanto escrevo ou porque estou tão inchada. Não digo nada, apenas escrevo enquanto imagino se fosse possível realizar uma “lipoadução” real, enquanto isso, continuo me sentindo leve.
Cristhina Rangel
Enviado por Cristhina Rangel em 07/12/2010
Reeditado em 07/12/2010
Código do texto: T2657717
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