A IGREJA DO DIABO

Emir era apenas mais um garoto pobre do Rio de Janeiro. Somente um fruto da ralé, da escória esquecida de nosso país. Que futuro teria Emir, que futuro?

Obviamente, nenhum!

Seria algum bandidinho qualquer, algum marginal drogado, um traficantezinho de merda, que morreria bem cedo, na casa dos vinte anos de idade.

Na melhor das hipóteses, sendo extremamente otimista com relação a Emir, ele seria no máximo um peão de fábrica, ou um ajudante de pedreiro.

Sempre a sacudir nos trens da Central em meio àquele monte de gente pobre e fedida. E também se apertando nos coletivos do seu bairro, junto a todos os deserdados da vida.

Mas Emir, ele não sabia disso, teria um grande futuro, um próspero e brilhante futuro. O garoto logo se mostrou espertíssimo. Vendia balas nos semáforos e juntava o dinheiro que ganhava escondido dos pais.

Apanhava todos os dias de seu pai. Isso fez com que ele desenvolvesse um grande ódio. O dinheiro que juntava com a venda das balas ele emprestava a juros a seus colegas da escola.

Se os colegas não pagassem o que emprestavam dele, com o dinheiro que tinha, pagava drogas a alguns maloqueiros para que estes espancassem os caloteiros.

Apesar de viver em meio à malandragem e a todo tipo de coisa degradante, Emir não levava jeito para exercer pessoalmente a violência. Preferia delegar a responsabilidade pela execução do serviço sujo.

E ele nem podia, dada a sua constituição física mirrada, quase raquítica. Suas mãos eram tão moles que pareciam de gelatina.

Uma virtude, pelo menos uma coisa boa ele possuía, era muito esperto. Ninguém conseguia lográ-lo, absolutamente, ninguém.

O menino cresceu e, com o dinheiro que havia conseguido com os juros dos empréstimos, montou uma pequena mercearia. A mercearia crescia sem parar passando logo para um mercadinho e depois para um supermercado.

Emir pagava para os marginais do local para que protegessem os seus negócios. Os caloteiros sempre pagavam caro por ficar devendo para Emir.

Emir já era homem formado. Estava muito bem financeiramente e era respeitado por todos no seu bairro. Mas, sua ambição era muito, muitíssimo grande. Queria ser ainda mais poderoso, mais rico, morar num castelo, por exemplo, ter jatos, helicópteros, emissoras de rádio e televisão, filiais em outros países...

Como fazer tudo isso sendo simplesmente um dono de supermercado de bairro pobre?

Emir debatia-se em seus pensamentos. Pensava dia e noite num negócio que fosse capaz de arrebatar as multidões e elevar seu poder ao máximo grau possível.

Interessou-se por leitura. Pensou que alguma coisa boa poderia encontrar na literatura. Afinal, não eram sábios aqueles que escreviam?

Então Emir lia e lia. Contudo, não encontrava o que queria. Mesmo lendo de tudo um pouco. Não adiantou a auto-ajuda nem a psicanálise.

A filosofia para ele parecia inócua, os autores políticos muito eruditos, as ciências humanas não respondiam o que ele queria, as revistas sobre negócios e economia não passavam de ideias descartáveis...

O que fazer?

Ficou chateado por um tempo com as leituras. Tinha já vinte e poucos anos e a frustração de continuar como apenas um pequeno empresário.

Um dia, num sebo, deparou-se com uma obra já bem desgastada, mas que chamou sua atenção. Era o livro de São Cipriano.

Ele folheou algumas páginas e ficou entusiasmado com o que viu. Havia dezenas de rituais mágicos para alguém conseguir o que quisesse.

Será que funciona? Perguntou a si mesmo.

- Vou pagar para ver. Afinal o livro era bem barato, e ele ainda pediu desconto antes de levar.

Chegando em casa, foi tomar um banho e comer. Sentou-se em sua poltrona preferida e começou a ler o livro.

O livro era terrível. Pois, em tudo era necessário, antes de se conseguir o que queria, que o leitor entregasse sua alma ao diabo.

Sempre, era requisito fundamental entregar a alma ao demônio.

Emir hesitou um pouco no início, mas ficou altamente tentado, pois numa das simpatias do livro, era possível criar um coisa-ruim para que ele fizesse tudo o que o seu mestre queria.

- Então vamos lá! Disse Emir.

- Não acredito em nada mesmo, o que custa tentar? Minha vida agora deve valer muito mais que a alma que venderei a Satã.

Então, começou a se preparar para uma simpatia especial do livro, uma que era para criar um diabo pessoal, para que este fizesse tudo o que o seu dono queria.

Numa sexta-feira 13, à meia-noite, Emir juntou todos os ingredientes, no fundo de sua casa e fez o que deveria ser feito.

E deveria ser feito assim:

1° - Escrever num papel de pergaminho que estava entregando sua alma ao diabo;

2° - Providenciar um ovo de galinha preta que havia cruzado com um galo preto;

3° - Chocar esse ovo numa caixa cheia de estrume;

4° - Quando o ovo se rompesse, o dono do diabo deveria o amamentar com o sangue de seu dedo mínimo da mão esquerda por treze semanas;

Após esse tempo, o capeta se desenvolveria e faria tudo que seu dono quisesse.

Então, Emir fez tudo como estava prescrito no livro. Tudo direitinho, tim-tim por tim-tim.

No final da 13ª semana o diabo repentinamente cresceu, estourou a caixa em que estava e começou a vociferar com uma voz gutural e diabólica.

Emir ficou assustadíssimo.

Não esperava o que havia acontecido. Mas satanás logo o convenceu de sua servidão providenciando, como numa apresentação de sua competência, uma maleta com um milhão de dólares.

Emir ficou fascinado com o que viu e na mesma hora o medo dissipou-se.

Esse dinheiro, disse o diabo, é só para começar. Vamos investir num negócio de Israel.

- Negócio de Israel? Perguntou Emir abobalhado. Não seria um negócio da China?

- Não, meu mestre, não! Nós vamos criar uma igreja, aliás será a maior igreja da qual esse país já ouviu falar, vamos literalmente invadir o mundo!

Emir achou muito estranho o capeta dizer que montaria uma igreja , e perguntou como então seria esta igreja, seria uma igreja do diabo?

- Sim! Respondeu o coisa-ruim.

- Mas não vamos dizer declaradamente que é uma igreja do diabo. No nome da igreja deverá, OBRIGATORIAMENTE, NECESSARIAMENTE, conter os nomes de Deus e de Jesus.

E continuou:

Uma igreja com meu nome não seria nada popular. A massa, o populacho tem ojeriza da minha pessoa. Então eu me disfarço de Deus e de Cristo com isso consigo enganar essa manada de bovinos.

- Isso é sério? Perguntou Emir.

- Claro, meu mestre. Disse Satanás, e continuou:

- Fique tranquilo pois nossa igreja crescerá mais do que ervas daninhas em quintal de pobre. Dominaremos, pisaremos, aniquilaremos, faremos o que for possível e o impossível para arrancar sem nenhuma piedade tudo que pudermos do maior número de otários!

- Faremos alianças com policiais corruptos, com traficantes de drogas, com o crime organizado e com o desorganizado, com políticos influentes...

- Não respeitaremos nada, absolutamente nada.

Subtrairemos a aposentadoria mirrada dos idosos, roubaremos o dinheiro dos aluguéis dos mais miseráveis, o leite que seria dado às crianças terá que ser vendido para que paguem o dízimo em dia, todos venderão tudo o que tiverem e entregarão o dinheiro a nós, sempre alegres e satisfeitos por pertencerem ao rebanho do Senhor.

- E o que ganharão em troca? Emir pergunta mais uma vez.

- Milagres, curas, prosperidade, sucesso no trabalho, no amor e tudo o quanto quiserem. Afirmava o diabo com os olhos cheios de chamas, flamejantes de contentamento.

- Posso fazer uma última pergunta? Disse Emir.

- Sim, claro!

- E se o fiel não alcançar o que quer?

- Diremos que ele não tem fé. Que sua fé é pequena, minúscula. Que ele precisa se arrepender dos seus pecados e oferecer mais a Deus, pois o que ele tem dado tem sido muito pouco, insuficiente, por isso não consegue o que quer.

Emir ficou simplesmente fascinado com tudo aquilo que ouviu do diabo. Acreditou e colocou tudo que o capeta disse em prática. Mais que isso, Emir inovou em práticas satânicas e usou muito mais requintes nos expedientes demoníacos.

Montou a igreja e conseguiu tudo o que queria. Seu palácio particular, suas inúmeras residências, suas emissoras de rádio e TV, seus jatinhos, seus helicópteros, as filiais em todos os países, enfim, tudo o que queria e podia sonhar.

Por fim, Emir morreu rico e feliz.

Não foi levado para o inferno, pois simplesmente o inferno, o diabo e Deus não existem. O diabo que apareceu e ajudou Emir a conseguir tudo o que conseguiu era ele mesmo.

Ele mesmo projetando toda sua potência e inteligência no negócio que transformou sua vida.

Seus herdeiros tocam os negócios da família até os dias de hoje, muito felizes e prósperos, graças a Deus!

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 25/11/2010
Código do texto: T2636303
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