O homem que processou o vento
De joelhos, o homem que era ateu declarado, roga aos céus.
- Onde está tu, oh Deus! Tu que arrancastes minhas vestes e minha casa, por duas vezes, agora arranque essa!
O homem estava de frente a sua nova casa. Construída de pau-a-pique, com toras de madeira para servir de esteio, cravados em mais de oito metros dentro do chão, reforçado com madeiras de lei e muitos pregos. Tabuamento reforçado com pranchas grossas, tesouras pesadas com telhas de amianto bem ajustadas.
Aprontara a casa depois de dois anos de árduo e sacrificante trabalho, falta de dinheiro e ainda custeando o tratamento de sua esposa, que havia quebrado a bacia no advento da última vez que sua casa havia tombado pelo poder do vento. Agora estava perfeito. Sua nova e forte casa estava pronta, sua esposa estava na salinha construída para ser uma espécie de Igreja para suas orações. Nesse momento ela rezava rodeada de velas, para que Deus apiedasse das palavras insanas que seu marido proferia lá fora.
Nesse momento uma tempestade se formava, ele confiante bateu no peito, seguro de si e disse:
- Vamos lá! Tenta derrubar esse “deusinho” de meia pataca. Mostra que tu existes e mostra que tem poder!
O vento foi aumentando. Formava uma espécie de tornado, e vinha arrancando árvores, derrubando aramados e carregando animais para longe. Ao passar pelo local da casa arrancou num instante, só deu tempo de ver o rosto assustado de sua esposa na janela enquanto sua casa voava.
- Você não devia ter provocado Deus dessa forma.
Foi jogado a muitos metros de distancia. Não conseguia levantar e desmaiou de dor. Acordou com o sol a pino. Uma fome gigante lhe tomava. Parece que dias e dias tinham se passado. Não sentia mais dor.
- Oh! Céus será que estou morto?
Não estava. Levantou-se. Parecia noutro mundo. Tudo a sua volta destruído, inclusive a casa, aliás, a casa sumira. Restaram apenas sete buracos de oito metros de fundura e um esteio torto. Transtornado caminhou pelas matas próximas e não encontrou nem vestígio de casa, ou sabe-se lá, sua amada esposa.
Ensandecido com a vida miserável de sempre. Partiu para a cidade grande, foi morar na rua, sob um viaduto, por que ali certamente nada o derrubaria, exceto se fosse uma obra Naiaiesca, por sorte não era. Contando sua fabulosa história, tornou-se milionário, e resolveu acabar com seus inimigos. Contratou um advogado e processou o vento. Depois de quase dez anos de espera, o judiciário deu seu parecer.
- Impossível processar o vento, meu caro, não tem ele endereço fixo, tampouco é um ser de direito.
Arrasado, porém, não derrotado, continuou sua saga. Processou Deus. O Todo Poderoso protetor de sua amada esposa, que a arrancou de seus braços, deixou-o sem teto, por um torpe motivo de ego ferido.
Mais dez anos se passaram e outro veredicto judicial.
- Impossível processar Deus, não foi possível intimá-lo, endereço não encontrado, réu não encontrado.
Foi embora. Partiu da cidade grande e voltou ao seu antigo lar, ou aonde deveria ser seu antigo lar, e encontrou apenas o poste torto, já carcomido pelo tempo. Algumas pessoas que por perto moravam, nunca tinham ouvido falar na história. Outros acharam de uma insanidade descabida, algo tolo.
- Nada mais que um delírio coletivo dessa gente da cidade.
- Mas e este poste torto aqui?
- Sempre esteve aqui.
Mesmo com o assunto surreal do camponês, tudo parecia tão real, e muitas duvidas pairavam ali.
- Mas alguém deve ter posto ali.
- Deve ter sido Deus, isso ai esteve ai desde os tempos que Deus andava na terra.
- Mas nunca se perguntaram como e por que esse poste está aqui, neste lugar mais precisamente?
- Não se questiona a obra de Deus, filho, é o que é!
Caiu de joelhos. Era como se orasse para o poste torto. Os demais presentes seguiam suas tarefas absortos, como se nada de diferente estivesse acontecendo, ou como se tudo sempre fora assim. Sentiu-se morto novamente. Tudo o que vivera até ali não poderia ser um delírio. Deus é um delírio. O céu é um delírio. O mundo é um delírio.
- Meu Deus! Eu sou um delírio?
É como que se de repente tudo não tivesse passado de um sonho e um poste torto.