A flauta sonhada
A flauta sonhada
j f da costa filho
Quando abriu os olhos, ao lado pousava a flauta enigmática. Ninguém a soprava mas, no ambiente, ondulavam sons de tocante ancianidade. Havia, também, perfume, muito perfume, com o que se fazia um todo conforme e completivo de tamanha musicalidade.
Perturbou-se. Mas logo veio a certeza: a música, de Pã; a fragrância, das ninfas que sob ela volteavam em danças míticas.
No intervalo da melodia e dos bons odores, chegou-lhe a bandeja do café. Nela, constavam duas linhas em letras bem arquitetadas sobre papel azulado. “Dormiste bem? Que o dia te seja agradável”, indagavam e auguravam. Parecia-lhe tudo muito subjetivo e subjacente. Menos a salva recheada e a jovem portadora.Perguntou e ninguém lhe respondeu o lugar onde se encontrava e quem lhe declinara a mensagem. Suspeitaram-no, então, metade nativo e metade adjunto de outras naturezas.
Surgiram-lhe, no ínterim, variadas interrogações. Procurou respostas olhando as paredes. De fato - era realíssimo -, a litografia restava ornada somente de branco desmaiado. Lá se tinha ido o pincel de Couret e, no rastro, as suas ninfas rodopiantes e a divindade flauteira.
Ouviu, então, o interrogante convite: “Não vens?”.
Elevou-se nos travesseiros, olhos encaminhados na direção da voz que era a de muitas vozes. Decidiu-se. Escorregou as pernas pelas laterais da cama senhorial, enfiou os pés nas pantufas turcas e mergulhou fundo na melodia e na dança. Confundiu-se e foi confundido. Fizeram-se os dançarinos, todos, um só corpo e uma só virtude.
O primeiro raio do sol estava, então, a enfiar-se pela vidraça marche-tada de cores.