História de um viajante
Um dia encontrei um sábio; sábio não por ele ter se definido assim, mas por ter ensinado que para mim foi à maior virtude que conheci em um homem.
Certo dia estava caminhando, decidido a fazer algo diferente que pudesse demonstrar minha revolta do mundo ao meu redor, algo que nenhum outro homem tivesse imaginado fazer, algo que pudesse mudar e impactar.
Ao longo de minha caminhada, com meus pensamentos avulsos, cruzando o deserto a fim de chegar a um lugarejo onde começaria a minha conquista, me deparei com um lugar onde em meio de areia, pedras e colinas, avistei distante um ponto que parecia ser um homem; e como de agora em diante tudo faria parte de uma experiência que julguei necessário a minha vida, resolvi ir até aquele homem e decifrar aquela imagem.
Com muito esforço cheguei ao topo, cansado e ofegante vi a imagem de um homem sentado de olhos fechados, o qual parecia escutar e sentir o vento, me aproximei e percebi que era um homem já de meia idade, parecia ter seus 55 anos, e este logo percebeu minha presença e assim olhou em minha direção com um pequeno sorriso como se já me conhecesse e soubesse o que eu fazia ali. Com muita calma me aproximei e falei: - Desculpe interromper, mas estava passando e vi a paisagem, não pude deixar de parar e subir para perguntar o que fazes aqui no meio do deserto sozinho, não tens família, amigos ou trabalho? E o homem serenamente me respondeu que estava ali realizando o que eu ainda não tinha achado a resposta.
Diante disso fiquei inquieto, não entendi o porque que falara aquilo, e voltei a indagá-lo: - O senhor tem nome? Por que dizes isto ao meu respeito se não me conhece?
O homem singelamente riu-se e agora olhando não mais para mim, mas para o horizonte infinito que havia em nossa frente respondeu-me: - Me chamo Simon Santize, nome este do qual nunca esquecerei, e ele continuou; e eu não estou afirmando nada, apenas conto as historias que presencio, afinal são as historias que constroem o mundo e você lembra muito a mim na sua idade e acredite, que para você, apenas para você e para mais ninguém o que sente, pensa e faz é necessário. Sente-se garoto e deixe-me contar-te uma história.
Aquilo me intrigou, nunca havia conhecido alguém daquele jeito, que pareci saber o que falava e cada palavra saída de sua boca parecia ter um alvo; minha curiosidade sempre foi maior e sentei-me ao seu lado, disposto a ouvir com atenção, e nesse pequeno intervalo de tempo sem perceber meus movimentos tornaram-se milimetricamente calculados, a fim de não deixar transparecer o que eu pensava e tentar me comparar ao mistério exalado por aquele homem, enfim encontrava-me sentado ao seu lado e ele serena e calmamente começou a dizer:
- Havia um garoto que morava em uma cidade que parecia ser como todas as outras, tinha uma família e amigos. Enquanto criança brincava pelas ruas e estudava como todas que conhecia, em sua adolescência passou a questionar algumas coisas que ouvia e presenciava e tinha amigos que acompanhavam seus pensamentos, aquele tipo de amigo que parece único e insubstituível, pois então, este garoto juntamente com mais três amigos todos os dias quando acabava a aula se reuniam em um caminho cheio de arvores, grama, um lugar florido, onde o sol batia no rosto e o vento nos cabelos e pouca gente conhecia, era um caminho perto da saída da cidade. E lá passavam horas discutindo sobre vários temas, se sentiam livres e felizes, como se nada mais existisse, mas infelizmente todo fim de tarde aquele mundo que era criado apenas por eles morria e só voltava a nascer no dia seguinte.
Cada um em sua casa com realidades diferentes porém iguais, se sentiam como se ali deixassem de existir, afinal, como existir em um lugar que você não escolheu para viver, ou com pessoas que parecer ser se um planeta diferente de seus pensamentos? Era isso que passava em suas cabeças, e como não tinham como mudar o mundo, se fechavam no mundo que tinha dentro de si, para que nada nem ninguém pudesse mudar.
Ao longo, o tempo passava e os pensamentos e vontades aumentavam, agora já eram jovens; dois deles fazia faculdade, um trabalhava no jornal da cidade e o outro, ah... esse outro infelizmente já não comandava seu próprio estinto, tinha se envolvido com drogas; porém ainda continuavam todos amigos, se reunindo e tentando se ajudarem do jeito que dava, e foi em uma dessas reuniões que perceberam que não passavam de seres humanos desprezíveis, e o porquê disso? Pelo simples fato de se fecharem em suas realidades as achando corretas, afinal, corretas em relação ao quê? Se eram apenas quatro jovens entre milhões que viviam suas vidas e de certa forma chegavam até a cometer o que eles mesmos descriminava, isso mesmo, descriminação era a palavra, descriminação esta às outras realidades diferentes da sua e um deles nem se quer tinha controle sobre seus atos, uma vez que seus pensamentos e sonhos não mais o comandava e sim um prazer temporário, que talvez o fizesse se inundar em uma alusão que desejava que fosse realidade. Foi nesse dia que esses jovens tiveram um choque de realidade, mas desta vez um choque que os fizeram mudar suas concepções e realizações de uma vez por todas, e desse dia em diante cada um acabou tomando seus rumos diferentes na vida, se separaram não porque quiseram, mas porque o que parecia uni-los se desfez e o que foi feito no lugar disso foi algo que antes eles não imaginavam que tivessem; diferença; cada um passou a realizar o que depois do choque parecia melhor e mais adequado.
O jornalista ao invés de apenas viver e compartilhar seus pensamentos e revoltas em reuniões com os amigos passou a publicá-las e lutou pelo que achava correto, chegou a ter problemas com políticos da cidade por falar e denunciar as sujeiras que presenciava, e foi liderando uma dessas revoltas que acabou assassinado por um policial do exército. Alguns poderiam dizer que valeu a pena, pois ele fez o que achava certo e lutou por um ideal, outros podem dizer que ele foi apenas mais um revoltoso e morreu como todos os outros, afinal, quem poderá contra os poderosos? Eu apenas espero que ele tenha sido feliz nesse período de tempo, afinal não importa o que ele fez, mas quem ele foi para as pessoas que o conheceu.
O viciado em drogas saiu da reunião pior do que entrou, teve uma crise existencial, se isolou, tentou verdadeiramente se livrar das drogas, lembrou de quando os amigos e família tentavam o ajudar, e por um minuto se sentiu amado, viu diante de seus olhos toda sua vida e uma revolta repentina de não ter conseguido realizar seus sonhos, e assim o invadiu de repente um desejo enorme de finalmente lutar pela sua realização, mas logo depois de tudo isso, acabou morrendo de abstinência, sozinho, na rua como um mendigo.
Um dos jovens que fazia faculdade soube do acontecido com aqueles amigos de infância, sentiu uma dor que bateu na alma, por um momento se questionou se todos aqueles que sonhassem com um mundo diferente seriam obrigados a ter o mesmo destino, sentia o sangue formigando a veia e uma vontade de que o mundo se importasse com seus jovens assim como se importam com uma bomba nuclear, tinha vontade de fazer a sociedade enxergar que não era apenas mais um corpo morto, mas sim sonhos despedaçados, e foi com estas sensações que chegou ao velório de seus amigos que seriam enterrados juntos, enquanto ao quarto componente desta amizade, este não ficou sabendo das mortes, estava longe e já se fazia tempo que não tinha contato. E desta vez voltou para casa não com a mesma dor, mas com grande indignação, por um momento parecia que aquele adolescente questionador do caminho cheio de arvores tinha voltado, mas com o tempo se acalmou, aceitou e amadureceu. Terminou a faculdade de direito e formou uma família; parecia finalmente que a crise da juventude tinha passado e agora se tornara um chefe de família como os milhões que existem no país, porém, quando ligava a TV e via noticias de jovens mortos e presos, envolvidos com rebeliões políticas e sociais se lembrava com nostalgia de seu passado, se lembrava dos melhores amigos e momentos que já teve, e por um minuto se arrependia de não ter também tentado fazer da sua voz um grito de protesto, mas logo o aconchego de sua mulher e filha lhe confortava, deixando o passado e voltando a sua realidade, e agora pensando que não existia apenas uma forma de ser feliz, e que esta poderia ser conhecida, construída e solidificada como amor.
O quarto e último desses jovens, pouco tempo depois da reunião se mudou para uma pequena cidade, onde concluiu a faculdade de sociologia, conheceu novas coisas e pessoas, amadureceu diante de novas experiências, perdeu contato com as pessoas da cidade o qual formaram sua personalidade, inclusive seus amigos, porém nunca deixando de lembrar com saudade.
Decidido a fundamentar suas concepções se empenhou nos estudos, queria não mais argumentar pela sua opinião abstrata, mas sim em fatos concretos; buscou respostas, respostas essas que muitas vezes não vinham, e decidiu novamente se mudar. Chegou a um lugarejo que parecia perdido no mundo, aquele tipo de lugar que só parece existir em filme, onde todos vivem bem, vivem para suprir suas necessidades e serem felizes. Essa realidade impactou esse jovem, tinha se trancado tanto em suas pesquisas que esqueceu de questionar o que era felicidade, eis a questão que parecia finalmente encontrar a resposta que tanto procurava.
Era visitante naquele lugarejo, recebido muito bem por aquele cidadãos e foi assim que chegou a um deles e perguntou qual era a maior felicidade de sua vida; e o cidadão apenas respondeu que daria a vida pelo bem estar de qualquer pessoa que fosse. Aquilo revirou aquele jovem por dentro que o fez repensar suas teorias, se despediu rapidamente daquele cidadão e foi se hospedar em um hotelzinho mais próximo; entrou, fechou a porta e olhou-se no espelho e começou a perguntar a si mesmo quem ele era, o que fazia no mundo, qual sua realidade, que contribuição havia deixado até tal momento da sua vida?
Percebeu que não poderia mudar uma cultura, que esta chegava a ser mais fácil construir através do tempo, do que conseguir destruí-la, e ficou feliz por saber que fora do universo conhecido por todos, ainda existia pequenos lugares que não conheciam a realidade do mundo, que não eram corrompidos pelo ganancioso homem, lugares que construíram uma cultura que é mais importante o outro, uma vez que este é um universo desconhecido e mercê ser feliz.
Sentiu-se realizado por ter conhecido aquele lugar, e parecia que finalmente sua busca tinha acabado, percebeu que não adiantava querer impactar uma cultura solidificada e sim construir ao seu redor e as pessoas que convive uma cultura que apesar de parecer isolada em pequenos lugares do mundo, muitas vezes desconhecidos pela maioria, faz toda diferença se você se sente feliz.
Resolveu então, não mais tentar mudar o mundo, mas virar um viajante onde pudesse conhecer outros lugares formidáveis como aquele e deixar sua contribuição com suas histórias vividas e presenciadas; e foi em uma dessas viagens que resolveu voltar a sua cidade natal, reencontrou seu amigo, soube dos ocorridos, sentiu uma espécie de tristeza e vitória ao mesmo tempo, conversaram longas horas como aquelas de infância e finalmente se despediu com lágrimas nos olhos.
Hoje esse jovem já é um homem maduro, que entende que o mundo é maior do que o que ele conhece e apenas vive, e se sente feliz meditando entre as chapadas do deserto se sentindo livre e deixando sua marca as pessoas e lugares que conhece, e o seu nome meu é Simon Santize meu caro.
Quando Simon acabou de me contar aquela história, olhou para mim como se sentisse feliz e satisfeito; senti uma mistura de emoções que não sabia definir bem, mas me parecia vergonha, realização e êxtase ao mesmo tempo. Abaixei o meu rosto e lágrimas escorreram de meus olhos, Simon então colocou sua mão em meu ombro com ar de conforto e parecia concluir dizendo: - Garoto, eu antes tinha asas e não conseguia voar, gritava, mas a tentativa era abafada por minha realidade; hoje eu consigo voar se asas e gritar para todos que quero que ouça, a sabedoria é nossa melhor companhia. Você não vai ser o primeiro nem o último indignado com o mundo, mas pode fazer a diferença com tanto que esteja feliz. Vai e realiza, chegou a hora.
Aquelas palavras me atingiram como uma flecha, talvez tivesse tomado um daqueles choques de realidade, não conseguia dizer nada, apenas olhá-lo com admiração e com esforço depois de engolir em seco falei:- Quando poderei vê-lo novamente? Ele me respondeu que estaria presente em minhas ações, que eu não precisava mais dele, mas esperava que fosse em breve.
Assim me levantei, agradeci com um gesto e comecei a caminhar ao meu novo futuro e o vento parecia estar me guiando e foi minha bússola até a cidade mais próxima, e hoje sigo se exemplo construindo e levando novas histórias, pois percebi que com pequenos atos, mudamos grandes coisas.
-E é isso aí crianças, hora de ir para casa, amanhã tem mais.
Uma das crianças se aproximou e perguntou-me: O senhor nunca mais o viu? Sorri e respondi: - O vejo presente sempre em minha lembrança e historias filho, um grande homem nunca é esquecido.
O garoto abriu um grande sorriso e falou-me: - Eu serei um grande homem!
E assim saiu correndo com os outros, e em meu pensamento tive a certeza que valeu a pena.