Retrato
Retrato
j f da costa filho
As tintas eram as mais antigas do armário. Prevaleciam as enroscadas em tubos bastante ressequidos e já contaminadas pelas competentes impurezas. Auto-retrato, em alentada longevidade, exige a ausência de cheiro e frescor de esmaltes novos. Contrariamente, comprometeria a senectude a ser refletida. Foi pensada, também, nesse afã, a presença de cores severas, talvez aliviadas, aqui e ali, por alguma tonalidade mais suave, com o que não se ofuscaria de-masiadamente a luz. Acentuava-se, assim, a austeridade exigida em traços de tamanha ancianidade.
A paleta escolhida toava com os outros petrechos. Datava dos meus primeiros dias de pincel que, recordo-me, lá andaram pelos anos da volúpia dos tangos e lundus.
Concluída a tela, após os arremates, coloquei-me em razoável distância para apreciar-lhe as imaginadas nuanças. De vida, os resquícios que da vida ainda consignava ela. De desvida, a abrangên-cia impiedosa no seu absoluto restante.
Ao final, expectou-me recuar. Cheguei a empunhar uma espátula punitiva da sua integridade. Resisti, porém. Molhei o pincel na reluzente ouro velho e assentei no quadro a costumeira marca: francisco solano. Enfarado, estirei-me na espreguiçadeira para tranqüilamente aguardar.