MENINA E O TEMPO

O pátio da escola estava lotado naquele horário. O recreio tinha de tudo, lanches, jogos de peteca, paqueras, meninos exibicionistas, meninas a cochichar. Depois de aulas maçantes, seria justo aquele rufar de saias pregueadas.

A menina magra de carne e músculo, de face pálida encoberta por volumosos cabelos avermelhados que iam até a cintura, sentou-se em um banco de cimento, a balançar, nervosa, as pernas. Acabava de vê-lo sentar-se no banco próximo. Olhou-o de revés. Odiou-o! Odiava aquele garoto letárgico, branco que nem uma vela, sempre só, a escrever, não sabia o quê. Até no intervalo de aula, ali estava ele, papel na mão e lápis entre os dentes, a matutar.

— Por que me olha assim? — gritou ela para ele — não vê que o detesto!...

Nem um som saía da boca do menino. Seu único gesto foi abaixar a vista, humilhado. Ela fez uma pausa, esperava que ele reagisse. Mas não, o menino ouvia os insultos, mudo. Aquele silêncio irritava-a ainda mais. Ele, nada dizia, só a amava — que adivinhasse os seus poemas, não eram para ela? — Por que não lhe alcançava o coração?!

Súbito, a menina se levanta violenta, enorme, rumo a ele. O jovem estremece. Sente o palpitar de todo o corpo, fremente. Os papéis rolam pelo chão. Ele também. Ela o arrasta pelo cimento bruto, arranha-lhe a pele, endoidecida. Todos correm para vaiá-lo, forma-se um círculo de rostos descomunais. Ela lhe soca o nariz e o sangue escorre. O menino sabe que poderia esmagá-la se quisesse, mas não quer. Sente prazer naquela agressão. A dor vai transmutando-se numa sensação desconhecida. De repente, um choque elétrico percorre-lhe o corpo. Sente que alguma coisa escorre pelas calças e a dor some. Ela também.

— Para onde ela foi?

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— Por que você está aqui, não me deu meia hora?

— Exatamente, meia hora...

— Não! Foram apenas alguns segundos.

— Meia hora...

— Não e não. Quero ficar mais tempo. Quero que ele me perdoe. Saiu tudo errado. Quero beijá-lo...

— Seu tempo acabou.

— Quero ficar com ele para sempre.

— Não temos permissão para mudar o destino das pessoas. Só lhe foi concedida meia hora.

— Não! Vou ficar, já disse.

— Você teve o seu tempo, agora não podemos demorar, sob pena de recebermos o castigo.

— E aquela história de livre arbítrio..., não posso escolher?

— Você desperdiçou seu tempo, aguerrida!...

— Por quê! Ele é meu, só...

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O despertador tiniu. O garoto se espreguiçou. Retirou o lençol que lhe prendia as pernas e correu para o banheiro, descalço. Tinha poucos minutos para descer a escada e fazer o desjejum. Escovou os dentes em frente ao espelho. Parou assustado! Uma cena veio-lhe à mente. Como ela sumira?! Por certo teria escapado por entre as pernas dos colegas. E os arranhões?!... A pele estava limpa. E o sangue do nariz?!... Meteu a mão na calça do pijama e apalpou o órgão. Havia sim, uma coisa gosmenta. Teria sonhado? Lembrava-se dela. Ah! Da próxima vez iria sentir o lamber das línguas na boca daquela menina.

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— Vou vê-lo novamente?

— Você sabe que não... Por que insiste em perguntar?

— Eu nunca mais vou esquecê-lo.

— Vai sim, ou melhor, não vai mais se lembrar dele.

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Ontem, lembrei-me de um passado, mas não sei de que...

Rita de Cássia Amorim Andrade
Enviado por Rita de Cássia Amorim Andrade em 20/10/2010
Código do texto: T2567668
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