Monólogo

Tudo era vazio e frio. Ele não sabia bem onde estava, mas não havia ninguém. Movia sua cabeça de um lado para o outro, mas não havia luz. Forçando a vista, procurava enxergar pelo menos a largura, altura ou profundidade de qualquer objeto que estivesse à sua frente. Em vão. Não havia chão, não havia teto, muito menos paredes. Era meio estranho, contudo já estava acostumado àquele lugar. Foi então que ouviu uma voz. Era a Solidão.

Dispensa-se a descrição dela. Todos conhecem ou já viram de relance a Solidão. Além do mais, estava escuro, então isso não é realmente necessário. De qualquer forma, o rapaz pensou em dizer “oi”, mas quando sua voz saiu, percebeu que era fina e aguda como a de uma criança. Era impossível, estava às vésperas do seu décimo sétimo aniversário. Mas realmente, perante a Solidão, quem é maduro o bastante? Tornamo-nos todos criaturas infantis.

- Desde quando estás aqui? – ela disse. Sua voz era um sussurro, quase o silêncio.

- Desde muito tempo. Por favor, me traga luz que assim poderei ver você.

- Mas como?! Não podes me ver? Não precisas de luz, já sou a escuridão que enche teus olhos. Esta sou eu.

Ele gemeu contrariado, mas já sabia daquilo. A luz se foi na mesma época em que tudo havia se ido.

- Por que não dialogas comigo?

- Porque dialogar com você é fazer um monólogo ao vento. Nem isso, pois nem os ventos podem me ouvir. Estou sozinho, nem as pessoas, a luz ou minha própria consciência me acompanham mais. Sendo assim, dispenso sua não-companhia, obrigado.

Entretanto, a Solidão insistiu:

- Mas por que estás só? Nunca se está sozinho, a não ser que se dispense todas as companhias. E este é teu maior erro: dispensas até a mim, que nada sou!

- Na verdade, uma. Dispensei apenas uma companhia. Todas as outras coisas foram só conseqüência. Tudo perdeu o sentido quando ela se foi.

- Amava-a?

- Muito, mas não amo mais. – disse ele, lembrando-se de que o amor havia partido na mesma época que a luz e muitas outras coisas.

- E por que abriste mão de sua companhia?

- Porque fui induzido ao erro. Me fizeram acreditar em algo no qual eu nunca poderia ter dado ouvidos. Depois de ter percebido a armadilha, a vergonha tomou conta de mim e não consegui ir até ela me desculpar. E quando a coragem venceu a vergonha e eu fui, já era tarde. Não havia perdão.

- Sentes raiva de ti mesmo?

- Senti, mas a raiva também já me deixou. Anteontem, acho. Isso se os dias já não tiverem me deixado também. Queria ao menos que ela pudesse me ouvir agora, e que quisesse me tirar daqui. Queria poder abrir meus olhos e não ver mais você, mas até quando os fecho, ainda lhe vejo...

- Tu não achas que queres muita coisa em vista do que fizeste? Não achas que tens isto por todo mal que causaste àquela pessoa?

- Acho... sim... – lembrou de ficar triste, mas não era capaz. A tristeza já o havia deixado também.

Entrando numa introspecção, esqueceu a Solidão um instante e começou a lembrar tudo que havia passado com ela... Eram momentos que não voltariam mais, perdidos para sempre no passado. Não importava o que fosse acontecer dali pra frente, só uma pessoa poderia tirá-lo dali, e era ela, de fato. E junto com ela, a luz, a consciência, a raiva, os dias e a tristeza voltariam – e todas as outras coisas também. E quando os dias voltassem, se encontrariam com a felicidade já saudosa, e a partir daí então, os dias seriam felizes.

- Bom, vou-me indo. – disse a Solidão, cortando os pensamentos do rapaz. Ao ouvir isso, ele se desesperou.

- Por favor, não vá! Não me deixe! Tudo já se foi, agora você?! Então leve minha vida também, não preciso mais da companhia dela!

- Poderia levar, mas não. Ninguém pode estar sempre sozinho em vida. Ao menos a vida deve acompanhá-lo, e eu não sou uma assassina, embora seja pior. – e sorriu. – Deixar-te-ei, porém a culpa já, já chega. Ela é meio irritante, mas ao menos não estarás sozinho. Ah, e às vezes ela traz amigos.

E então a Solidão se foi. Quando a Culpa chegou, nem bem cumprimentou, desatou a gargalhar da desgraça do rapaz. Era uma risada com vontade, daquelas bem agudas. Ela nem respirava, só gargalhava e gargalhava, sem cessar. E esse som estridente incessante dava nos nervos do rapaz, pesava-lhe os ombros. Sentia-se esmagado e humilhado.

Como prometido, a Culpa vez ou outra chamava a Raiva e a Tristeza, suas amigas. Quando a Tristeza ia, desatava a chorar, chegava a soluçar. Já a Raiva, não parava de gritar. Eram gritos de cólera, que assustavam o rapaz. Eram os piores momentos quando ficava a ouvir uma a rir, outra a chorar e outra a gritar, todas juntas sem nunca parar.

Nessas horas, lembrava-se de um rosto. Do rosto dela. A imagem era meio turva, mas ainda não o havia deixado, ele nunca permitiria. E percebia que, só ela ou a Morte poderiam tirá-lo dali, e que se ela não quisesse vir, por favor, que a Morte viesse.

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Glauco Lessa
Enviado por Glauco Lessa em 09/10/2010
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