O balanço das horas

O BALANÇO DAS HORAS

j f da costa filho

Na casa, dependuravam-se vinte e quatro relógios da parede no gran-de cômodo chamado sala das horas. Todos alinhados em duas filas com rigor milimétrico. Meu pai dizia categórico: Ordem, muita ordem! Cada coisa no seu lugar e no tempo exato. Então, o de número doze marcava o instante do almoço que, religiosamente, acontecia ao meio-dia em ponto. O vinte e dois, o momento de ir para a cama, coincidindo com as dez badaladas do sino-mestre da matriz de Santa Luzia. O dezoito, a hora solene de chegarmos à mesa da ceia quando, ao ensejo, saudávamos com uma prece as Ave-Marias. E assim sucessivamente, guardando-se absoluta sintonia entre cada máquina e os fatos diários da vida familiar.

O torcer das chaves das cordas, o ajuste dos pêndulos, a correção dos atrasos e adiantamentos eram tarefas adicionais do Osório, jardineiro e zelador. Ele as desempenhava nas manhãs dos sábados com muita circunspecção e pontualidade. Meu pai elogiava-lhe sempre o método e a disciplina nesse afã. Te hás com muita habilidade, ó Osório. Confio no teu trabalho, afirmava ele repetidas vezes.

Um dia, às onze e cinquenta, o número doze parou. Apreensão geral, olhares interrogativos entre os que já se encaminhavam para a refeição. Meu pai, altaneiro e seguro, ordenou ao Osório: Coloca o vinte quatro no lugar do doze. Assim, não haverá descontinuidade enquanto aguardamos as providências de mestre Ambrósio.

Sorrisos aliviados, inclusive de Bismarck, com seu capacete-símbolo da arrogância prussiana, a entronizar o recanto dos relógios.

j f da costa filho
Enviado por j f da costa filho em 03/10/2010
Reeditado em 03/10/2010
Código do texto: T2535076