O último pecado
O último pecado
J. F. da Costa Filho
Padre Ambrósio me afiançou, por trinta anos, que os pecados capitais eram sete. E me dizia horrores dos que neles incidiam. Vi criminosos impeni-tentes, pendurados pelos tornozelos, a pairar sobre carvão ardente; agudos espetos cravados nas nádegas volumosas de negras debochadas; unhas e den-tes de libidinosos e de avarentos arrancados a tenazes desmesuradas; chicotes afiados a estalarem no lombo de preguiçosos e de soberbos; e corações de ira-dos e de invejosos sendo extirpados a ferro em brasa.
Viandante agora de muitas léguas e de inúmeros lugares, na última quinta-feira maior volvi ao velho confessionário da secular São Gonçalo de Amarante. Padre Ambrósio me reconheceu. Indagou:
- Como está o teu rol de iniquidades?
Dei voltas na consciência esgarçada e respondi seguro:
- Repleto, reverendo, repleto.
- Ficas aí nos capitais ou marchas de encontro aos preceitos maiores? seguiu ele na sua linha inquisitória, que era feroz e incisiva.
As dissonâncias do confessor entortaram-me o discernimento. Tinha andado eu seca e meca à cata de uma sombra para refrigerar o espírito, depois de centenas de cabeçadas e desencontros no trotar das estradas. Uma esperada compaixão de padre Ambrósio acenou-me como oásis consolador. Mas esta-va-me a sair invés, com as duras e incongruentes observações aplicadas du-rante a genuflexão.
- Calas, pecador arrogante? Se não te humilhas, nada te será perdoado.
Baixei ainda mais a cabeça, apoiei os indicadores nas têmporas por instantes, e senti, então, no ego a espetada do satânico tridente. Gritei desvai-rado:
- Homem inclemente! Aqui vou logo à negação do quinto grande mandamento!
E saltei-lhe, decidido, ao gasganete.