A MENINA QUE QUERIA MORRER (ROTEIRO PARA UM FILME)

Um grande clarão se fez e a menina de cabelos vermelhos e olhos bem verdes, entrou para um grande galpão. Cada pequeno ruído provocava um barulho ensurdecedor, o tempo parecia ter parado. Do fundo, apenas uma voz que parecia ser de outro mundo; calma, bem pausada. Cada palavra era repetida pelo eco do local. O ambiente era completamente branco, o teto parecia ser feito de nuvens, o chão, as paredes, e uma névoa que deixava o ambiente translúcido, tudo branco.

- Sente-se - disse a voz que parecia sair de todos os cantos – Tenha calma, não tenha medo, você vai ter uma oportunidade única. Repito, não tenha medo, aqui você está completamente protegida. Olhe para frente e para o alto. Não se preocupe sobre o conteúdo, nós conectamos o seu cérebro a um aparelho ainda desconhecido por seres humanos, isto porque ele só será inventado daqui a trezentos anos, ele vai permitir que você entenda todos os assuntos , mesmo os que você ainda não domina, por causa da pouca idade. Portanto, apenas olhe para tela e fique atenta à minha voz.

A menina ajeitou-se numa confortável poltrona branca e fixou os olhos, conforme a voz orientara.

Num segundo a parede do fundo transformou-se em um grande telão com a imagem mais nítida que se podia ter.

A primeira visão mostra uma corrida no interior de uma trompa. Bilhões de espermatozóides disparam em direção a um óvulo. Os olhos da menina brilham de curiosidade. Um dos bilhões de espermatozóides penetra o interior do óvulo que transforma-se imediatamente.

- Sua vida está começando agora – Diz a voz, com extrema suavidade – Continue assistindo.

As imagens agora se aceleram; duas, quatro, oito, trinta e duas, a multiplicação celular se dá de forma fantástica. Já é possível ver o pequeno feto formando-se. Mais aceleração e braços, cabeça, pernas, coluna vertebral, vasos no corpo ainda transparente, vão se mostrando. A menina continua com os olhos vidrados enquanto a transformação. A voz faz uma espécie de narrativa, sempre de forma pausada e tranqüila.

- A vida é um grande milagre. Antes do milagre acontecer, foram necessárias incontáveis mecanismos baseados em dados sociais, psicológicos, culturais, biológicos, uma compilação inimaginável de aspectos meticulosamente escolhidos para que você pudesse ser exatamente o que é sobre todos os pontos de vista. A escolha dos pais que geraram você foi feita baseada em uma longa e trabalhosa pesquisa para definir cada pequeno detalhe. Desde um fio de cabelo dos cílios, gestos, tons de voz, cor dos olhos, pele, forma da boca, mecanismos de reação psíquicas, tudo pesquisado e harmoniosamente definido para que fosse dado início ao seu desiderata.

A menina permanecia quieta, parecia não respirar, curiosamente compreendia tudo. As imagens continuavam, já era possível enxergar movimentos do feto no interior da bolsa amniótica, movimento dos olhos das pernas, dos braços, percebia-se também um vigoroso coração pulsando, as trocas de alimentos e emoções através do cordão umbilical. Tudo acontecendo num milagroso equilíbrio.

Num instante a imagem sai de dentro do útero da mulher e mostra a mãe a acariciar a barriga já nos dias próximos ao nascimento. A menina deixa escapar uma lágrima diante do amor da mãe revelado no gesto de acariciar carinhosamente o bebê que dá salto, como se compreendesse o gesto.

- A vida é um grande milagre – Repete a voz mansa e pausada – Você está vivenciando uma oportunidade única, não perca nada. Tudo é um grande milagre. Foram necessárias centenas de anos para que se juntasse um conjunto de detalhes, como num quebra-cabeças fantástico, na sua formação. Antes que você abrisse os olhos nesta vida, saindo do ventre foram necessárias muitas e muitas conversas com todos aqueles que você encontrou e ainda vai encontrar nesta vida. Uma teia fabulosa de pessoas, pai, mãe, irmãos, parentes distantes, amigos que você encontrou ou vai encontrar na escola, no trabalho, num caminhada ao acaso, pessoas que moram próximo ou muito longe de você, até em outros países, tudo milimetricamente definido, sem nenhuma dúvida, uma lógica perfeita.

No telão o bebê está saindo do útero, todo encoberta ainda pelo líquido do ambiente uterino. Abre os olhos, solta um choro, mas se aquieta quando é levado para o peito da mãe.

A menina agora chora diante da cena, mas é um choro bom, tranqüilo. A imagem avança mais acelerado, mostra os primeiros movimentos, braços e pernas para o ar, num quarto todo róseo. No avançar da imagem, ela não vê desde o início o pai, é sempre a mãe e os irmãos que a acalantam.

- Por que não conheci o meu pai? – Pergunta olhando para todos os lados. A imagem do telão é congelada e a voz começa explicar.

- A missão dele era apenas doar a parte necessária para que você pudesse ter as características que tem.

- E isto é justo?

- Deus é justo criança. Tudo tem uma razão de ser.

- Todos os meus amigos têm pai. Por que só eu não tenho?

- Iguais a você há milhões, e creia tudo tem uma razão de ser, No tempo exato você vai saber o para quê de cada detalhe de sua vida. Vai perceber que esta aparente falta, vai moldar mecanismos necessários para que você realize a missão que tem nesta existência.

- Não parece correto. Isto não é legal.

- Eu sei meu bem, mas para que você seja moldada, esta ausência de pai vai gerar mecanismos indispensáveis na sua formação psíquica. Nada é por acaso. Um grão de areia que rola pela praia é grande o bastante dentro de um conjunto de ações que acontecerão. Uma grande pedra começa de um pequeno grão. Um imenso oceano começa com uma única gota. Tudo tem uma razão de ser, por mais estranho que pareça, por mais doloroso que seja meu amor.

A menina não fala mais nada, fecha os olhos por um momento e quando abre novamente, o telão mostra um homem de pele bem morena, queimada pelo sol, os cabelos em desalinho, braços vigorosos e um olhar que não deixa dúvidas. A imagem aparece e logo é tirada da tela

- Era meu pai, não era?!

- Sim, tivemos permissão de mostrá-lo por um segundo. Saiba que não foi fácil conseguir esta permissão, de certa forma isto contraria parte do processo, mas achamos por bem mostrá-lo, ainda que por um curto espaço de tempo. Sim era seu pai. Continue assistindo.

O telão continua mostrando cenas em alta velocidade, mesmo assim ela consegue reconhecer todas, amigos na escola, brincadeiras de rua, aniversários.

De repente ela não consegue mais reconhecer as imagens. Agora estava maior parecia ter uns dezoito ou dezenove anos e estava metida com pessoas estranhas. Assustou-se ao perceber que não eram pessoas legais e manipulavam coisas que a princípio não conhecia, mas que eram decodificados pelo aparelho ligado ao cérebro dela.

- Por que estou junto destas pessoas?!

- Quem são elas? Não parecem ser pessoas boas.

Faz-se um silêncio sepulcral no ambiente. A voz parece ter sido desligada. As imagens avançam e mostram a jovem em uma rua escura, há lixo por todos os lados, ao lado dela dois outros jovens; um rapaz e uma moça com roupas muito escuras caminham e procuram por algo. Logo à frente encontram um homem de cabelos compridos e um sorriso que mostra muitos dentes de ouro, usa óculos escuros apesar da noite. Conversam por pouco tempo e entrega para eles pequeninos embrulhos, que eles guardam imediatamente. O homem recebe uma quantia em dinheiro e some na escuridão. O três vão para um canto, pegam cachimbos e algo parecido com um isqueiro, acendem e fazem uma espécie de rodízio. Paralizada, a menina chora.

- O que isto? Por que ? por quê?

Primeiro o silêncio, depois a mesma voz calma e pausada.

- Minha criança, lembra o que falei no início?, no momento de nossa criação, uma grande teia é formada, nesta teia não estão apenas os pais e os amigos, há inimigos também que se juntam a nós. A justiça de Deus é grandiosa.

- Como pode ser justo que eu me transforme nesta pessoa?, que justiça há nesta história?

- Como falei, em nossa teia, há amigos e inimigos, mas nunca estamos desprotegidos, Deus põe junto de cada ser humano um anjo guardião que está conosco cada segundo.

- Mas onde estava o anjo na hora que eu conheci essa gente?

- Você quer saber, olha.

Volta imagem do telão. Ela caminha pela rua depois de uma briga em casa com a mãe. Bateu a porta e saiu meio sem destino, parecia cega, quando virava a esquina um mendigo a abordou, puxou conversa, tentou acompanhá-la, mas ela o empurrou jogando- no chão.

- Era ele?

- Sim!

- um anjo da guarda mendigo?

- Sim. “Para que tendo olhos não vejam e tendo ouvidos não ouçam”

- Pelo que eu sei anjos são loirinhos, simpáticos, com asas. E esse era um mendigo. Ma se sabia que era meu anjo, por quê não me impediu de seguir para aquela rua e encontrar aquele grupo de viciados?

- Arbítrio, livre arbítrio.

- Como assim?

- Deus envia seus anjos para cada ser humano e eles estão juntos o tempo todo. Às vezes a gente parece ouvir sopros no ouvido, outras horas assim do nada, a gente tem uma idéia, alguns chamam de intuição, na verdade são eles orientando, fazendo a parte deles.

- Mas por que não insistiu?

- Ele insistiu, veja.

- Na grande tela aparece novamente o mendigo. Quando tenta se aproximar mais uma vez é quase enxotado. A jovem dá berros e o homem foge assustado.

- Mas como é que eu ia saber que era um anjo com aquelas roupas?

- Todos nós somos postos à prova todos os dias. De um modo geral seguimos sempre os padrões dos homens; deixamos sempre nos deixarmos levar pela aparência. Se o homem aparecer com uma roupa boa, bom perfume, a gente acredita quando ele fala, mas se o rosto é feio, ou a roupa é feia ou mal cheirosa, a gente logo tenta se livrar dele. Deus sempre envia seus anjos para nos proteger. Sempre e quase sempre a gente não percebe ou não tenta se livrar deles.

- Mas não há uma forma de enxergá-los melhor?

- Há sim. Nossos pensamentos são como ondas de rádio, este tipo de comunicação que vocês utilizam. Um receptor de rádio capta vários tipos de emissoras e diversos tipos de programação. Logo, você sintoniza aquilo que quer, uma emissora toca rock, outra música clássica. Você sintoniza e cria uma conexão com aquela emissora e fica ligado a ela, durante uma hora, por várias horas e até por muitos anos.

- E o que isso tem a ver com os anjos de guarda?

- É mais ou menos a mesma coisa; se você eleva seus pensamentos, colocando na mente, sentimentos bons, positivos, perdão, amor, caridade etc., você cria as condições necessárias para que o seu anjo fique conectado a você, Se ao contrário, você põe na mente pensamentos agressivos, de ódio, raiva incontida, vingança, você se distancia do seu anjo, ele tudo vê, mas não pode interceder. E então seres que estão vivenciando esta vibração de maus sentimentos se conectam imediatamente a você. É possível até senti-los; calor, frio, assim sem motivo aparente. Somente sua mudança de sentimentos pode devolver a ele o poder de cuidar de você.

A menina chora, as imagens continuam. Há um pulo no tempo. Passam-se muitos anos, a jovem parece ter uns vinte e oito anos, o rosto está visivelmente modificado pelo uso constante de drogas, rugas precoces já aparecem, na outrora bela jovem.

É noite, ela anda a passos vacilantes, pára diante de um prédio de estilo bem antigo, mais parece um castelo mal assombrado, uma grande escada dá acesso ao interior do mesmo. Ele sobe apoiando-se no corrimão lateral direito, um homem pálido, esbarra na jovem e rola escada abaixo, ela não esboça reação, parece estar em um outro mundo. Continua caminhando para o interior do prédio. Já no interior, sobe mais escadas e chega ao interior de um quarto sem lâmpadas e um cheiro de podre que provocava náuseas, por um momento põe a mão à boca impedindo a ânsia de vômito, um rato passa por cima do seu pé, mas ela não reage. Num canto um sujeito estende a mão e entrega-lhe uma porção de pedras, que ela guarda imediatamente em um dos bolsos do casaco. O homem grita alguma coisa, cobrava dinheiro atrasado da compra anterior, ela promete que vai trazer da próxima vez, o homem faz um gesto que não deixa dúvidas; passa a mão no próprio pescoço como se simulasse um corte com navalha. Ela finge não entender e precipita-se escada abaixo. Logo está na rua. Quando descia os últimos degraus, mais uma vez aquele mesmo mendigo a borda. Ela olha para ele com desprezo, sente vontade de chutá-lo, mas desiste e segue adiante. Atravessa a rua e entra em outro prédio. Na entrada um sujeito mal encarado entrega-lhe uma chave e reclama do atraso. Ela resmunga e sobe. O prédio é um velho hotel transformado em bordel barato. Ela subiu, tomou o cachimbo acendeu e usou uma grande porção de crack. Não demorou muito para que batessem na porta

- Pare, não quero ver mais, pare, por favor, pare. Eu quero morrer, eu prefiro morrer. Não quero passar por isto, não quero.

- Filha, a sua presença aqui, é a confirmação do amor de Deus para com você. Veja.

A imagem no telão, mostra a mãe com os cabelos brancos, de joelhos, pedindo socorro pela filha. A mulher chora abundantemente e pede para que Deus envie ajuda. A cena é comovente.

- Não entendo, esta imagem é do futuro, por quê estão me mostrando agora?

- O tempo é invenção dos homens. Passado, presente e futuro, convivem no mesmo espaço. É uma coisa que vocês deste tempo ainda não entendem direito. Um de vocês, chamado Einstein, deu a dica, falou de dobras do tempo, mas até agora ainda é um assunto muito estranho para humanos. Pois bem, sua mãe pediu com tanta força, que fomos chamados de emergência para atendê-la aqui. Você ainda não tem noção do que é amor de mãe, até que você seja uma mãe, ela colocou a própria vida em jogo para que nós pudéssemos chegar até aqui. Foi um pedido especial.

Saiba que somente em condições muito especiais, por grande merecimento pode-se mudar um desiderata. Vai levar muito tempo para que os humanos entendam o sentido de ser mãe. Há algo especial, além da matéria, algo sutil, forte como um vulcão e ao mesmo tempo suave como uma pétala de rosa.

No telão algo estranho acontece, as imagens começam retroagir, uma após a outra numa ordem cronológica, no meio da grande tela a palavra delete, acende e apaga. A menina agora parece mergulhar num sono profundo, dá pra ver nitidamente a movimentação rápido dos olhos debaixo das pálpebras. A imagem no telão continua retroagindo enquanto a menina permanece num sono profundo.

O telão desaparece, a voz, o galpão todo branco, tudo desaparece, Um grande clarão se faz. Numa sala de emergência médicos e enfermeiros, surpreendem-se, olham para os aparelhos ligados ao corpo da menina que apresenta sinais visíveis de vida.

- Ela voltou, ela voltou!!

A enfermeira não contém a emoção, tira a máscara e vai na direção do corredor onde uma senhora aflita anda de um lado para o outro.

- Ela voltou senhora, ela voltou.

A mulher ajoelha-se no chão do hospital e com as mãos postas agradece numa prece silenciosa. No interior da sala de emergência, os olhos verdes da garota se abrem revelando a beleza jovial da menina.

- Cadê a minha mãe, cadê a minha mãe.

A mulher já estava na porta ouvindo o chamado da filha. Aproximou-se, olhou a filha com extremo carinho, beijou-lhe a face, os olhos e falou palavras amorosas ao ouvido dela.

- Mamãe te ama e seria capaz de dar a própria vida por você.

- Eu sei mãe, eu sei – Falou com uma certeza, que não entendia, mas o fez com toda certeza.

Passados oito anos daquele episódio, a garota discutia de forma assustadora com a mãe, por algum motivo a mãe não queria que a filha saísse aquela noite. Apesar da insistência da mãe em não deixá-la sair, a garota estava decidida a se encontrar com amigos.

- Filhinha, meu coração não pede para que você saia.

- Que bobagem, só vou me encontrar com os amigos, que mal tem isso.

- Quem são estes amigos?

- Amigos, a gente conversa pela internet e hoje a gente marcou de se encontrar e isso é a coisa mais normal do mundo.

- Filha meu coração não pede.

- Era só o que faltava. Mãe , eu já tenho dezoito anos, tenho amigos, tenho minha vida.

- Ádria, pelo amor de Deus, não vá – A mãe nem sabia ao certo porque pedia à filha, mas algo a impelia a fazê-lo. Nada, a garota estava decidida. Avançou para a porta, a mãe atravessou-se e foi empurrada e caiu de joelhos. Enquanto a filha avançava para a rua, elevou as mãos para o céu e orou.

- Pai, se for preciso o meu sacrifício, faz isto por mim senhor, cuida, envia os teus anjos para protegê-la.

Na rua a garota tomava o metrô que a levaria ao local marcado pelos amigos. Em casa, de joelhos, a mãe continuava em oração.

- Pai, esta filha é amada, tem um futuro enorme pela frente. Por favor pai.

Na rua a garota desce do metrô. Atravessa a rua e sente uma estranha sensação, é como se conhecesse aquele lugar. Dá mais uns passos e um mendigo vem em sua direção. O homem tem os cabelos soltos , a roupa suja, balbucia algumas palavras e estende a mão para a garota. Ela olha para ele e tenta sair de perto.

A mãe permanece de joelhos em oração.

- Tu sabes o quanto desejei ter esta filha senhor, não deixa que ela se perca o mundo pai.

A garota empurra o homem que cai no chão e sai de perto. Mas um grito faz a garota tremer.

- Ádria!!

A garota fica paralisada no chão quer fugir não pode – Como aquele homem podia saber o seu nome? – Uma profusão de imagens passam pela sua cabeça. Coisas sem sentido, uma grande sala branca, uma voz, um telão, mas nada fazia sentido. Virou-se avançou na direção do homem, tomou-lhe a mão e o levantou.

- Hoje a glória de Deus encontrou você filha. A misericórdia do pai não conhece limites de espaço ou tempo. Seja amorosa. Grandes desafios a esperam, tenha sempre o coração tranqüilo.

A garota não entendia direito por que aquele mendigo, malcheiroso, feio, poderia dizer coisas tão belas. Foi tomada por emoção estranha, o coração disparado em um misto de calma e ao mesmo tempo de aflição. Tomou o homem pelo braço, levou-o até uma lanchonete próxima, pediu algo para comer.

- Não, não precisa moça, só preciso de água, estou bem, não se preocupe comigo. Neste momento recebi o alimento mais poderoso da face da terra, estou alimentado por muitos e muitos anos.

A garota não em entendia muito o por quê das palavras, mas ouvia com atenção e carinho.

- Volte para casa.

- Tenho um encontro com amigos agora.

- Volte para casa.

O homem falou com tal força, que ela não ousou questionar.

- O senhor está bem?

- Sim, muito bem. Obrigado por ter me acolhido.

A garota deixa o homem sentado, mas antes fita-o, como se o reconhecesse, olha bem nos olhos dele, mas desiste e vai embora acenando para ele. O homem esboça um largo sorriso, olha para o alto como se buscasse alguém, enquanto ela toma o metrô de volta para casa. O coração continua disparado, uma grande mistura de sentimentos deixa-a inquieta. Enquanto o metrô avança, pensa na mãe – vou chegar e pedir perdão – falava em voz baixa.

O metrô chega na estação, ela desce e corre para casa, empurra a porta e vê a mãe de joelhos, o rosto no sofá e as mãos ainda postas em prece.

- Desculpe mãezinha, voltei, desculpe – Fala ainda da entrada da porta. Aproxima-se e percebe que algo terrível aconteceu. Os olhos da mãe ainda estava abertos, mas o corpo já estava sem vida. Se pudesse ver olharia um rosto familiar ao seu lado envolvendo-a num abraço fraterno. Uma estranha sensação de paz a envolvia. Chorava baixinho. É como se entendesse, mesmo que parecesse absurdo compreender.

Passados uns sete anos, uma mulher de mais ou menos uns trinta anos entra por uma rua de prédios antigos, acabara de se formar em psicologia e fazia parte de uma equipe multidisciplinar, que envolvia assistentes sociais, policiais, médicos, juízes, advogados e voluntários de outras profissões, envolvidos numa campanha de reabilitação de drogados . Chega diante de um grande prédio com uma escada enorme de corrimões e sente uma estranha sensação, poderia jurar que já estivera ali, embora nunca tivesse andado por aqueles lados da cidade.

Numa dimensão distante e ao mesmo tempo próximo dali, rostos sorridentes observavam a jovem psicóloga subir as escadas, todos com uma ótima sensação de dever cumprido.

RobsonJr
Enviado por RobsonJr em 13/09/2010
Reeditado em 13/09/2010
Código do texto: T2495368
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