Helena Michaud e o apagão de Superagüi
“O que eu gosto mesmo é de ‘luz de velas’ “ – dizia sempre a finada Helena Michaud, que me permita a licença de estar contando este causo e que descanse em paz sua alma, no meio da floresta linda que sempre amou e viveu..... querida senhora!
Mesmo que tenha praguejado o ‘apagão’ para comunidade da Barra do Superagüi, tenho por esta senhora uma profunda admiração. Especialmente porque foi fiel aos seus príncipios.
“Não me conformo com esta tal de energia elétrica”, lamentava. “Quando eu morrer quero que a luz elétrica acabe”, profetizava.
Acreditem se quiserem acabou ou melhor apagou tudo. Não é que o apagão foi por 24 horas, no dia de sua morte!
E ntão, dessa forma, esta senhorinha, aos 92 anos, quando faleceu em 1999, ficou famosa na comunidade onde vivia – Barra do Superagüi – e o ‘causo’ do apagão é contado sempre em rodas de fogueira, em noite de lua cheia, quando todo mundo se entrega ao gosto de apreciar o mar e jogar um dedo de prosa fora, para o tempo passar neste lugar especial, provavelmente a morada de Deus. É importante citar que a energia elétrica tinha chegado no local um ano antes de sua morte:1998.
Helena Michaud era suiça pelo sobrenome, mas muito, muito brasileira no amor pela natureza. A senhorinha descendia diretamente do europeu William Michaud, que mudou-se da Suiça para este longínquo lugar, lá pelos idos de mil e oitocentos, quando tinha apenas 20 anos.
Pensem bem, imaginem, o que era a loucura e ousadia de se aventurar a uma viagem de navio a um país como Brasil e aportar num lugar como Superagüi naquele tempo – se até hoje é exuberante em sua floresta, quer dizer, até hoje ainda é selvagem, primitivo. .
Preservada, Graças a Deus! ... e também aos militantes e ambientalistas que tanto lutaram nas décadas de 70 e 80 para evitar a destruição. (Abaixo a Capela!! Xô...Xôoo.. Empresas como esta deveriam ser banidas do mundo.Capela era uma empresa grileira de terra que tentou criar búfalos em Superagüi. Para isso, precisava desmatar tudo. Deu trabalho para homens da lei, caso que pode ser comparado a um filme de bang-bang. Os antigos fiscais do IAP/PR e Ibama são testemunhos de verdadeiras guerras com pistoleiros).
Mas, então, retornando a história de William Michaud, saibam que ele jamais voltou a sua terra natal. Casou-se com uma nativa e teve nove filhos e assim foi ficando e ficando. Como todo europeu, tinha uma educação aprimorada e sabia pintar. Deixou como herança belíssimas aquarelas que retratam a natureza da Floresta Atlântica do início da colonização do Paraná.
E por falar em herança, os olhos azuis e verdes dos caiçaras de pele bronzeada, traços mesclados entre índio, negro e europeu, é legado deixado por estes primeiros colonizadores, digo estes, porque não foi só Michaud o único aventureiro naquelas paragens. Alguns franceses também se instalaram por lá e até diz, uma lenda, que foi um navio pirata francês que afundou por ali.
Para chegar, neste paraíso na terra, onde os golfinhos nadam de lá para cá, os papagaios da cara roxa voam em bando junto com as suas companheiras – são monogâmicos - todo fim de tarde para voltar a nanar no seu cantinho especial, na Ilha dos Papagaios, na baía de Guaraqueçaba, Reserva da Biosfera, lugar em que o por do sol faz a água virar cor de ouro, é preciso pegar um barco de linha em Paranaguá e aguentar firme três horas de viagem. A Ilha está localizada dentro do Parque Nacional do Superagüi, um dos recantos mais belos do planeta.
Um lugar assim, tão especial, certamente vivem e viveram pessoas especiais como Helena Michaud. Um lugar em que é possível tomar um banho de mar numa noite bem escura e sair iluminada no corpo e na alma, mas, literalmente, no corpo, porque os planctons em quantidades absurdas grudam na tua pele e te transformam num facho de luz em meio a breu da noite. Experiência única, surrealista!
É lindo conseguir curtir o mar sem iluminação artificial e sem medo de ser atacada por um maníaco violento. Lá, ainda é possível viver esta paz.
Talvez, Helena Michaud tenha provocado o ‘apagão’ para alertar ao mundo que precisamos dar um tempo, ou melhor , colocar o pé no freio e deter a detruição de lugares tão verdadeiros.....
Santurários na terra!
(você encontrará este texto também no site oficial da autora www.pan-horamarte.jor.br)