Quando os Corvos se Agitam

“Aqueles olhos negros olhavam para mim, penetrando fundo em minha alma, era como

se diziam para mim “culpado, culpado...”, aquela ave de penas negras era a única no

local na hora do incidente, a única testemunha...”.

***

_ Vê essas aves negras que vagam pela Terra? As penas das assas de um anjo caído que são

deixadas em todo o canto que passam?

_ Sim as vejo moça.

_ Elas estão mais agitadas do que o costume, sabe a tempos que não vejo minhas crianças assim, elas

cercam aquela casa como se previssem o pior.

_ A casa do senhor Nicholas? Ele se mudou aqui para a vizinhança há um mês moça.

_ Sabe que dizem sobre os corvos garoto? Dizem que eles são responsáveis de carregar as almas das

pessoas quando elas morrem...

_ A moça acredita nisso?

_ Bem, em parte... Em parte é verdade...

***

Silencevill, uma semana antes.

Havia uma casa para alugar perto do centro, não que as outras fossem muito longe,

afinal aquela era uma cidade de mil e quinhentos habitantes.

Essa casa já estava ali para alugar a algum tempo, pois existia um boato de que naquele

lugar coisas estranhas aconteciam e isso fazia com que as pessoas desistissem de

comprá-la, mesmo a imobiliária tentando esconder os boatos, hora ou outra as pessoas

abandonavam a casa.

Mas naquele dia, um professor de historia da grande metrópole procurou a imobiliária

para comprar aquela casa, e ele havia dito claramente que queria apenas ela, não queria

ver outras opções.

_ Senhor Nicholas, a casa é do seu agrado?

_ Claro senhor Hermes, era exatamente aquilo que eu procurava.

_ Então é só assinar os papéis que a casa é toda sua.

Enquanto Nicholas escrevia seu nome naquelas linhas pontilhadas, ele olhou para o

senhor Hermes, o corretor, e perguntou.

_ Acredita em fantasmas ou demônios?

_ Porque a pergunta?

_ Conheço a história dessa casa...

Acreditando que se confirmasse aqueles boatos, Nicholas desistiria da compra. Hermes

tentou desacreditar aquelas palavras.

_ Mas que isso senhor Nicholas, acreditar em fantasmas é o mesmo que acreditar em

papai Noel ou no coelho da páscoa, lógico que não existem.

_ Espero que esteja errado senhor Hermes, espero que esteja errado...

_ Por quê? São fantasmas a que veio procurar senhor Nicholas?

_ Não, vim procurar imortalidade, e nada mais.

***

Uma bela moça andava por um vale de rosas, rosas diferentes de qualquer outra, rosas

negras sem espinhos.

O vale era enorme de se perder de vista, e aquela bela moça andava e acariciava cada

uma das rosas por onde passava então um corvo veio voando, ela estendeu seu braço e o

corvo pousou.

_ Obrigado por me avisar Sebastian, eu senti que ele viria agora pode voltar as suas tarefas. – disse

a moça ao corvo, que logo após saiu voando.

Ela então se sentou no vale de rosas negras.

_ Olá Bás, há quanto tempo não nos vemos.

_ Ainda me chama por esse nome Estrela da manhã?

_ Também não está a me chamar por um nome que pouco uso?

_ É que seus outros nomes não soam tão bem quanto esse, prefiro a forma poética, mas se prefere que

te chame de outro jeito chamarei, qual dos outros nomes prefere? Lúcifer, Devil, Diabo, Diego...

_ Lúcifer é um clássico não, embora aprecie quando me chamam de Diego, mas

não vim aqui para discutir como você deve me chamar, e sim te avisar de algo

que creio que está prestes a acontecer a ti.

_ A mim? O que pode acontecer a mim?

_ Estranhos ventos percorreram o inferno, eles vinham “daquela casa” e seu

nome vinha com ele.

_ “Aquela casa”? Onde existe a passagem?

Estrela da Manhã balançou um “sim” com a cabeça e abaixou-se e pegou uma das rosas

negras.

_ Você sabe que nada de bom vem daquele lugar, vim te avisar, pois não quero

que nada aconteça a você Bás, Morte como prefere ser chamada. – Estrela da

Manhã envolveu a rosa negra com as mãos, e secou-a até virar pó.

_ Se preocupa tanto assim comigo?

_ Apenas não quero que os homens deixem de morrer, não agora, quando isso

tiver que acontecer eu mesmo virei prendê-la.

E assim Estrela da Manhã desapareceu, deixando o recado a Morte, aquele vale de rosas

negras era feito da semente de cada alma guiada por ela, e em seu vale ela refletiu sobre

aquelas palavras que acabou de ouvir.

***

Uma semana depois.

_ Finalmente achei o lugar, o lugar que me ajudará a ficar imortal. – foram as palavras

de Nicholas, em frente a um ritual que ele preparava no centro da casa.

Nicholas já pesquisava a dez anos estranhos manuscritos que ele encontrou em uma de

suas viagens com colegas arqueólogos, e descobriu que aquelas eram formas

descobertas pelos antigos de capturar a Morte e se tornar imortal com isso.

Relutante no começo, por não acreditar que a morte fosse um ser e não apenas uma

figura psicofilosófica, ele resolveu recriar o ritual e comprovar por si mesmo.

Os manuscritos indicavam um local no planeta, onde a energia que emanava era capaz

de realizar qualquer ritual que envolvesse manipular os seres do mundo dos eternos,

daqueles que não morrem e que controlam o mundo que estamos.

A regra era simples, segundo os antigos, controle aqueles que controlam tudo, então

receba tanto poder quanto imagine.

Nicholas havia preparado tudo, mas como os manuscritos eram antigos, o pobre homem

era incapaz de saber que uma das letras estava em parte apagada, devido à ação do

tempo, e infelizmente ele iria fazer o ritual erroneamente.

“Agora terei tudo que desejo” foi o que ele ficava se repetindo quando via a luz que

adentrou a casa tomar forma.

Era uma mulher loira, completamente nua, que apareceu em sua frente e ignorava

qualquer tentativa de Nicholas de chamar-lhe atenção, apenas ficava olhando para os

lados.

Até que ela olhou para ele, e ele começou a ouvir dentro da sua cabeça “Obrigado”,

“Me libertou, me chamo Pandora”.

Um corvo então entrou pela janela entreaberta e começou a grasnar.

Pandora então olhou para o corvo e deixou aparecer em sua face um sorriso de maldade,

novamente olhou para Nicholas, “Hora da sua recompensa!”, então Pandora estendeu

sua mão, Nicholas sentiu uma enorme dor, sua alma estava sendo retirada de seu corpo.

“Aqueles olhos negros olhavam para mim, penetrando fundo em minha alma, era como

se diziam para mim “culpado, culpado...”, aquela ave de penas negras era a única no

local na hora do incidente, a única testemunha...”.

Foram às últimas palavras pensadas por Nicholas antes de ter sua vida completamente

retirada.

Então Pandora rumou até a porta, “fome”, “guerra”, “desespero”, eram as palavras que

ecoavam pelo ar enquanto ela andava...

***

Morte estava em frente “aquela casa”, realmente algo de ruim estava acontecendo, pois

seus servos, os corvos, se amontoavam naquele lugar.

Um garoto passava pela calçada e viu-a observando a casa:

_ Quer alguma coisa moça?

_ Vê essas aves negras que vagam pela Terra?...