O PESADELO

O pesadelo

E ela continuava sua dissertação, enquanto eu em pé no ponto de ônibus aguardava ela terminar. Mais de quarenta minutos ficou ali a desfiar seu rosário de lamúrias. Cheguei a ter pena, e queria de alguma forma, ajudá-la. Não sabia como, pois o relato era angustiante e feito assim, tinha sido perturbador. E ela continuou:

“Eles são donos da minha vida, me vigiavam todo o tempo. Conectaram um sistema de câmaras na minha casa, grampearam meus telefones e estão fazendo monitoramento de minha vida íntima. Como eu descobri? Não foi muito difícil, certa tarde o vizinho de cima soltou para o namorado de minha filha detalhes do relacionamento deles. Fiquei com aquilo encafifado na cabeça. Daí comecei a procurar e achei no teto do quarto da minha filha uma mini câmera instalada. Diante de minha surpresa, saí procurando em outros lugares e comecei a fazer certas simulações. Não é que o autor desta sacanagem acabou se revelando através da internet. Até hackers entraram no meu computador. Deixaram mensagens, ameaças enfim não sei o que fazer. Tive vontade de procurar a polícia. Já falei com minha família, esta pobre vive completamente desligada... Meu ex-marido sequer me ouve, vivo tão deprimida, nem tenho vontade de falar. Já me cansei, ninguém acredita em mim”.

Passaram-se algumas semanas, após nosso encontro. Eu soube por Lúcia uma amiga minha. Perguntei sobre a situação da Dorinha. Lúcia sorriu amarelo e debochando me criticou:

- Você não acreditou no que ela te contou? E os detalhes quais foram? Fiquei perplexa, e Lúcia continuou. A Dorinha me fez passar momentos terríveis no último sábado. Ela disse que ia se jogar pela janela do terceiro andar. Ameaçou a família inteira. Eu tinha ido lá fazer uma visitinha a mãe dela que está com o fêmur quebrado. No final do “espetáculo” fui parar no Pinel, ela foi comigo, gritando se jogando no chão, pois alegava que estávamos tentando jogá-la janela abaixo. No fundo é uma coitada! Fui com ela como acompanhante, assim ela concordou em ser internada sem ter que ser sedada e ir na camisa de força. Foi horrível. Já foi transferida. A culpa é também da família que sabe que ela é esquizofrênica e nunca incentivou ela a procurar ajuda médica.

Cheguei a acreditar que a Dorinha era mesmo uma artista, pois representava perfeitamente, após o relato da Lúcia resolvi fazer uma visitinha a mãe da Dorinha. Para minha surpresa, encontrei todos em casa, trabalhando normalmente. Dorinha me puxou para dentro rapidamente e passou dois trincos na porta. Depois parecendo estar aliviada segredou-me ao ouvido: - Todo cuidado é pouco, quando se tem uma louca por perto. Você não sabe a Lúcia surtou e até chegou a ser internada, mas o marido assinou um termo de responsabilidade, e ela já está em casa. Coloquei a mão na cabeça e fingi ter esquecido alguma coisa, sai rapidamente correndo daquele prédio.

Ao chegar na portaria do prédio onde eu morava encontrei com o vizinho do décimo andar, ele vinha correndo com uma faca na mão e a roupa toda suja de sangue. Fiquei apavorada, sem saber o que se passava. Quando o ruído do alarme do celular começou a tocar insistindo em tocar, tocar, tocar. Acordei assustada. Que miscelânea de pesados sonhos eu tinha tido. Ainda cansada, observei que eu estava em minha cama, suando com o coração disparado. Era apenas o início de mais uma manhã na vida desesperada de uma desempregada. Depois notei que o sol já ia alto, eu perdera a noção do tempo, aos poucos fui recordando. Eu tinha almoçado uma feijoada, era sábado e minhas amigas Dorinha e Lúcia já não moravam mais no bairro. E eu dificilmente correria o risco de ser mais uma desesperada desempregada, pois há muito trabalhava como autônoma.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 24/08/2010
Código do texto: T2457450
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