AS FLORES DE MARIA
No pórtico estava escrito em letras de alto-relevo, o nome: ‘Asilo da Consolação Nossa Senhora das Dores’. Os pingos da chuva que caia, tocados por um vento constante, batiam na janela e o som se espalhava pelo pequeno quarto; situado ao fundo do corredor direito, do hall de entrada. A janela, com os vidros embaçados, pela diferença de temperatura , existente entre o aconchego do quarto e o ambiente externo, era sofregamente alisada por um pequeno pano, nas mãos esquálidas e tremulas de Maria. Não!... Ela não podia ficar sem ver seu jardim. Isso era inconcebível em sua rotina diária. Rosas, crisântemos, jasmins, cravos, azaléias, representavam à ela, aqueles que fizeram parte de sua vida, mas não podia mais ver e abraçar. Estava impossibilitada pela chuva de tocá-las como era seu costume, mas ainda podia vê-las, e seus olhos ávidos tinham esse prazer diário.
Maria havia completado seus noventa e dois anos, alguns dias antes. A pequena, mas alegre festinha ,organizada pela Madre superiora, pelas bondosas irmãs do asilo, pelas suas amigas e companheiras, estava presente ainda em sua memória.
Talvez fosse esse o seu drama maior; saber-se lúcida e com o filme de sua vida podendo ser visto e revisto a qualquer instante. Será que, a senilidade e a alienação, não seriam mais benéficas, para a espera do dia final ? O dia em que poderia rever seus amados e adorados: pais, irmãos e filhos.
As gotas de chuva escorriam pelas pétalas,folhas e ramos,os olhos de Maria brilhavam em êxtase indescritível. Levantou-se da cadeira de balanço, ergueu a mão, e quando ia passar o pano, sentiu uma forte pressão contra o peito e... desfaleceu!
Acordou após algum tempo, no meio do jardim e um jovem senhor lhe sorria. Uma brisa suave lhe tocava o rosto e podia ouvir o som de uma musica ao longe. Aquele jovem ergueu-a do chão e sem uma palavra apontou em direção as flores. Maria sem entender o que estava acontecendo, olhou e viu ; como se fosse magia, cada uma delas se transformar em um anjo. Quando todos se aproximaram pode reconhecer neles, um por um dos seus entes queridos e abraçando-se a eles, chorou...de alegria!
Nesse exato momento entendeu que havia morrido. As lágrimas tornaram-se perfume, e olhando nos olhos do jovem, disse apenas:
- Obrigado... Meu Senhor !
Maria foi encontrada meia hora depois, por uma das irmãs, quando da chamada para o café da tarde . Tinha um sorriso nos lábios e um lindo buque de flores... incrivelmente seco,nas mãos. Seu corpo foi enterrado, no pequeno cemitério ao lado do jardim