Ad Nihil

As luzes já estavam todas apagadas, e Damião já estava acomodado em sua cama. Pela janela observava o céu estrelado e deixava seus pensamentos voando livres pelo infinito. Assim fazia toda noite até adormecer. E não foi diferente nesse dia.

No meio da madrugada acorda sobressaltado. Não sabe o motivo. O relógio marca 3:30, e seu coração disparado não permite que seu sono volte. Tenta se recompor mas não consegue. Uma angústia começa a lhe invadir a alma. Começa a tremer, sente um arrepio em seu corpo e seu quarto parece ficar cada vez mais gelado. Como seria isso possível numa noite de verão? Resolve ir até o banheiro para lavar o rosto, mas não consegue sair da cama, na qual estava sentado. “Meu Deus, o que está acontecendo aqui?” disse em voz baixa. Não tinha a quem recorrer pois morava só. Poderia telefonar a algum amigo, parente próximo, o telefone encontrava-se a alguns metros, no próprio quarto, mas não conseguia se mover, não porque não quisesse, mas não encontrava meios de fazê-lo. Algo havia se apoderado de sua vontade a tal ponto de torná-la inibida, de controlá-la. A sensação de horror aumentava. Um bom tempo já se passava assim e ao olhar o relógio surpreendeu-se, pois este marcava a mesma hora de quando havia acordado. O frio aumentava, como também aumentava sua sensação de angústia e o horror ia se apoderando de seu corpo.

A hora não passava, ao menos no relógio, e aquele pânico aumentava. Sem motivo aparente, assim como surgiu, aquele medo aos poucos foi se despedindo de Damião, que conseguiu então relaxar por um momento. O frio passara, e agora o suor escorria em sua face. Foi até o banheiro lavar o rosto, e a sensação da água em sua pele foi algo reconfortante. Observando-se no espelho, ainda com o rosto molhado, pensava no que havia acontecido. Provavelmente estivesse doente e deveria ir logo de manhã visitar seu médico. Nunca havia ficado doente a ponto de não conseguir controlar-se, mover-se. E que doença seria essa que o fizera cair em tão grande tormento? Resolveu voltar para a cama. Pegou a toalha branca que estava pendurada perto da pia para enxugar-se. Algo caíra no chão enquanto se enxugava. Ao tirar a toalha do rosto, viu eu estava banhada em sangue. No chão estavam seu nariz e seus lábios. No espelho via agora seu rosto disforme: sobraram-lhe apenas os olhos na face, nem ao menos as sobrancelhas permaneceram no lugar. Era como se tivesse nascido sem os órgãos que agora lhe faltavam. No lugar não havia cicatrizes ou manchas. O pânico possuiu-lhe novamente, e agora não conseguiria gritar nem que o quisesse fazer.

Voltou ao quarto, e não permaneceria nele por muito tempo se a porta não tivesse desaparecido. Desesperado, pensou em fugir pela janela para buscar ajuda, mas não havia janela. As paredes do quarto pareciam liquefeitas. Tentou encostar a mão em uma delas, mas nada sentia. De repente, como se nunca tivessem sido sólidas, as paredes se derramaram e logo foram absorvidas pelo solo negro que agora estava sob seus pés. E tudo à sua volta agora era escuridão. Resolveu correr e sentia que seu corpo se movia, mas nada sentia sob os pés. Estava no mais absoluto nada, e isso o deixou estarrecido, se sentia vazio como o nada que havia à sua volta. Sentiu as lágrimas rolando em seu rosto e não quis enxugá-las.

Estava só, e não sentia nem sua própria companhia. Sentia que a razão o deixara, que ele mesmo se deixara, e não sabia mais quem era mesmo sabendo ser alguém ou algo. Não sabia quanto tempo se passara desde aquela noite, pois perdera totalmente a noção de realidade, de tempo. Tudo que até então acreditara não mais lhe pertencia, pois a escuridão levara tudo de si. De repente, começou a ouvir um choro ao longe, um choro de mulher, e logo muitas outras pessoas se juntaram a essa para chorar. Ele não via ninguém, e quando os choros cessaram, a escuridão o engoliu.