Sóbrio Ébrio

Tudo borbulhava em sua mente insana. Vagava errante, em algum estágio, entre a sobriedade e a ebriedade. Alguma apneia, palpitação cardíaca e sudorese nas mãos e testa. Levantou-se trôpego.

Um tanto quanto sem fôlego.

Ansiou um ar menos sufocante em meio ao mormaço, não encontrou...

Respirava ofegante.

Podia observar seu vulto no espelho a bailar com suas idéias ao som clássico da velha vitrola.

Viu-se transformado em um triste retrato de tudo o que poderia ter sido, de todas as idéias que poderia ter tido.

Espreitou um esboço de si mesmo. Deixando espalhar ao vento as areias do tempo e espelhando pelos favos da vida.

Um borrão nas páginas de sua história.

Lágrimas de fel lavaram-lhe as maçãs pálidas pelo tempo.

Viveu anos naquele segundo de milésimo que se encarou no espelho.

Sentiu uma impetuosa vontade de fumar...

Soava bizarro.

Nunca antes havia colocado um cigarro na boca.

Apanhou o tabaco enrolado em mortalha de papel.

Acendeu. Um tanto quanto sem habilidade.

Tragou...

Sentiu aliviar sua abstinência sem sentido e foi invadido por uma sensação de prazer momentânea, seguida por um asco incontrolável.

Teve náuseas.

Em uma reação abrupta, tossiu compulsivamente e atirou para longe o ordinário bastão de tabaco...

Lavou a boca, o rosto e as mãos...

Olhava-se no espelho e discutia com suas memórias paradoxais. A própria voz lhe soava estranha aos ouvidos.

Tentou livrar-se de si mesmo.

Não conseguiu.

Indagou em sua mente orgiante:

-Realmente estou vivo??

-Apenas sobrevivo??

-Teria alguma diferença??

Não reconhecia aquele esboço de gente. Era um reflexo da sombra de suas próprias misérias.

Resolveu perambular madrugada afora.

Viu-se sem forças para atravessar a rua.

Para mudar de lado.

Para esquecer o passado.

Olhava os próprios pés compassados no ândito meândrico.

Sem rumo.

Parou bruscamente.

Por um instante.

Moveu letargicamente seu olhar para o alto.

Foi invadido por uma famigerada aceleração cardíaca...

O suor frio escorria-lhe pela face e misturava-se com as lágrimas que transbordavam insistentemente da alma que duvidava ter...

Soluçando lamentava os erros... Lembrava falsos prazeres...

Esquecia as procelas terrenas...

Uma leve formicação percorreu seu corpo...

Deparou-se com o plenilúnio que se destacava no firmamento...

Foi correr tresloucadamente em suas bordas...