O senhor do tempo.
Trabalhava em uma relojoaria. Orgulhava-se de afirmar a todos que era propriedade de seu avô. Herança de família, sabe como é, dizia o homem pequeno e gordinho piscando o olho por trás dos óculos de lentes grossas.
Ali, naquela sala ampla, antiga e sombria, passava os dias, tirando o pó, polindo e lustrando suas preciosidades.
Relógios de todos os tipos eram encontrados nas estantes, nas mesas, nas paredes.
Ultimamente alguns jaziam no chão mesmo, por falta de lugar.
Trabalhava muito porque se negava a colocar um auxiliar. Temia gastos excessivos.
Em resumo, era um sovina.
Mas era tão sovina, mas tão sovina, que economizava em tudo, desde roupas até artigos de higiene. Só não economizava na comida, ah, isso não, costumava afirmar de boca cheia, gorduras espalhando-se pelo queixo duplo.
Assim, nunca casara, afinal, dividir seu dinheirinho com uma mulher, nem pensar.
Satisfazia-se com prostitutas, comentava com seu único amigo, rindo e afagando a barriga volumosa.
Assim ele vivia e era feliz. Tinha seus relógios, seu dinheiro no banco, e comida a fartar, que mais poderia desejar?
Estava tudo muito bem, até o dia em que ela entrara para comprar um relógio.
Era uma morena jovem e bonita, deveria ter uns vinte e cinco anos. Tinha os olhos muito verdes e brilhantes.
Nem percebera os olhares do homenzinho que ofegava a cada vez que tinha que abaixar-se para mostrar os modelos da moda.
Efetuada a compra, ela sai com a mesma elegância com que entrara, iluminando o ambiente sombrio.
Ao ficar só novamente, ele culpa a diferença de idade pela indiferença que ela demonstrara.
Ah, se fosse vinte anos mais jovem...
Estava apaixonado.
Por dias, consome-se na paixão avassaladora, uma vez que ela passa todos os dias em frente à joalheria. Depois de descobrir o horário, fica à porta esperando, fingindo desinteresse.
Começa a pensar em alguma maneira de aproximar-se da amada. Não fora a idade...
No dia seguinte, fecha a loja e começa a viver de rendas.
Lá dentro, entre ele e seus relógios, uma batalha surda é travada. Metodicamente ele começa a atrasar todos os relógios, contanto dias, meses e anos, pretende retroceder vinte anos.
Interrompe o trabalho insano apenas para as refeições, que faz as pressas. Começa a emagrecer.
O tempo passa lá fora, ali dentro, algo extraordinário está acontecendo.
Certo dia, depois de atrasar o último relógio, retrocedendo assim os vinte anos pretendidos, dá por encerrado seu trabalho.
Agora finalmente, vai encarar o espelho.
Nervoso e expectante ele se olha.
Exatamente como ele imaginara. Um jovem de vinte e cinco anos, magro e elegante está a olhar para ele.
Está feliz.
Todavia, em seu estado de espírito febril, não percebera um longo fio de cabelo escuro perto da estante de relógios. Liso e brilhante, o cabelo da jovem passara despercebido do homem apaixonado.
No outro dia, abre a loja novamente, terá que inventar uma história, mas valerá a pena, afinal ninguém acreditará mesmo...
Aguarda sua amada, todavia ela não aparece.
No dia seguinte e nos próximos, a mesma coisa.
Perdido e confuso que ficou, não percebeu a menininha de cinco anos, com lindos olhos verdes, que passava todo o dia pela mão da mãe em frente à loja.
Era o efeito colateral do fio de cabelo.