Do Império dos Sentidos

só então é que começaram a botar mais lenha no fogo. Chegaram mais uns quatro e só depois que chegaram mais dois.

Chegaram rápidos montados em cágados. Seus trajes, à moda dos cavaleiros do rei Artur.

Usavam máscaras em forma de cabeça de cavalos, botas de prata cintilantes; o fogo refletido em suas botas nos iludiam vendo formas humanóides calçando as labaredas.

Os dois vinham cavalgando lagartixas, suas máscaras espelhadas impressionavam a imagem dos rostos flamejantes, domando dragões de Cômodo.

Nos disseram depois que a madeira era a melhor.

Durante toda essa noite a fogueira consumiu as achas ajustadas a não se dispersarem enquanto crepitavam, podia ser perigoso atingir alguém que se esquentava por perto. De quando em quando ousávamos saltá-la pelo lado, pois a fogueira era alta a atingir quase as nuvens.

Cortamos, enfim, os pulsos, ao sinal dos cágados deu-se início a orgia. O sangue era oferecido a quem gostaríamos de ficar. Bebíamos um pouco e nos dirigíamos para mais perto da fogueira. Ao sinal das lagartixas, as labaredas brilhavam, brilhavam a ponto de nos transparecer e nos ocultar quando chegássemos por perto.

Outros cinqüenta chegaram com os tambores e os fagotes; montavam baratas, estavam nus; a única peça carregada nos corpos que poderia servir como vestimenta era algo que encobria suas genitais. As peças brilhavam, eram feitas de ouro, não via os seus sexos, só se via as labaredas refletidas nos objetos balançando intermitentemente ao vento propalado pelo fogo.

As baratas reluziam e nos ofuscavam a visão.

Ao sentirmos o gosto do sangue percebemos que estávamos muito próximos do fogo e não pudemos perceber nossos corpos, mas sentíamos o roçar intermitente de corpos aos nossos. Ainda pudemos vislumbrar os cágados ordenando os vinhos enquanto a noite avançava. Lá ao longe podíamos ouvir o zumbido de besouros noturnos, gafanhotos e o balido dos carneiros.

Sentimos de repente nossas testas quentes e o fogo frio. Já devia estar na hora avançada da madrugada; estava na hora do canto do galo onde os espíritos assombrados percebem que têm de voltar aos seus túmulos e dar lugar à Aurora. A escuridão é a morada dos maus espíritos.

Quando crianças nos disseram que quando saímos de noite e ficamos até alta avançada madrugada, recebemos a má influência dos espíritos malignos. Na escuridão eles atacam, pois sabem que os santos não enxergam bem na escuridão. Como a escuridão faz parte de seus domínios, nessa hora eles agem. Amanhecer o dia fora do sanctum significa sempre receber a companhia dos maus espíritos. Não seria bom esperar a Aurora.

Aurora — a deusa que sucede o domínio das Trevas e antecede a sempre luz alaranjada e as estradas branco-neve do império de Hélios — deusa traquina, ofusca as estrelas, deixa às vistas a luz e as trevas, por estar entre o bem e o mal, aparece e desaparece quando bem quer; quando ela some nos deixa sedentos pela liberdade de não estarmos sendo vigiados, passamos durante a sua ausência batendo às fronteiras dos infinitos limites dos nossos sentidos, assim que ela reaparece deixa-nos ver os nossos rastros pelas salas-quartos-cozinhas dos nossos desejos; sua meia-luz faz-nos perceber que não quiséramos explorar essas fronteiras. Empalidecemos de azul escuro sentindo nossa própria vergonha. É sempre assim que acabamos sentindo a vontade de cometer suicídio.

Mas ainda faltava chegar os porcos-espinhos, foi o que pensamos enquanto sentíamos mais um jorro de sangue quente em nossas bocas.

Os ratos já tinham se lançados à fogueira. Enquanto estivéssemos perto de sua luz, estaríamos bem protegidos, e ainda por cima, os cágados iam ordenar a música. Os tambores pararam de soar; o céu começou a pegar fogo na hora em que Mendelssohn apareceu, fez uma breve reverência aos macacos e improvisou uma melodia sacra, uma ode às melodias de cachoeiras em rios de lava ferventes; outro jorro de sangue se aproximava de nossas bocas quando sentíamos a sensação de piranhas voadoras se trucidando.

Ninguém notou as cinzas escuras a fitar imóvel o chão pálido do pátio vazio.

* Tentativa de um conto Fantástico... Há um pouco de surrealismo, alucinação...

Fora inicialmente projetado pra não haver parágrafos, nem começo, por isso se começa com a letra minúscula.

Bati no enter pra poder facilitar a leitura.

Agradeço a quem comentar a minha decisão de narrar com o NÓS.

Najila
Enviado por Najila em 05/06/2010
Código do texto: T2301726
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