Enquanto isso no Bar Sinistro...

Enquanto isso no Bar Sinistro...

No bar quase às escuras nos confraternizávamos pelo ano que passamos juntos. Acho que todos estavam lá. Lembro-me como se fosse hoje aquela casa lotada, as mesas bem próximas umas das outras, as pessoas se roçando no aperto do lugar, o zum zum zum, e a fumaça do tabaco neblinando o ambiente eram características rotineiras do Bar Sinistro. Lá fora um calor infernal de um dezembro desgovernado daqueles que nem a noite refresca. Dentro, as portas fechadas, mesmo com ar condicionado ligado, o ar quente tonteava mais que a bebida. Ao microfone naquela noite Zékid, um sujeito que tinha resposta para tudo, que tinha saída para tudo e fazia piada de tudo, se contorcia fazendo alegres imitações, cantando e dançando.

Divertíamos pra valer!

De repente uma enorme e descontrolada ventania rompeu a porta de vidro sacudindo lustres, revoando comanda e guardanapos, deitando copos. Calamos em uníssono. Um ar quase sepulcral perdurou alguns mórbidos segundos. Nossos olhos voltados para a porta escancarada esperavam que alguém entrasse, mas ninguém entrou. O Zékid desceu do palco em passos rotos e fechou rapidamente a porta. Voltou ao microfone e refeito do susto brincou dizendo “deve ter sido o saci”. Eis que nesse exato momento uma música começou de forma estridente vindo de lugar nenhum, a cortina do fundo do palco se afastou entre um arisco golpe de vento seguido de um agudo assobio, e o saci, o próprio saci aquele negrinho de uma perna só que fuma um cachimbo e usa gorro vermelho, ele mesmo, surgiu diante do microfone. O Zékid caiu sentado boquiaberto, e assim todos nós ficamos também, boquiabertos. Diante de nossos olhos apavorados o duende negrinho dançava em ritmo frenético um samba conhecido. Enquanto sambava afoito de forma desequilibrada sua voz esganiçada cantarolava um lá lá lá lá lá lá acompanhando Alcione que não deixava o samba morrer.

Calados, assistíamos aterrorizados a essa cena grotesca.

A música acabou e outra ventania de redemoinho se fez em torno daquele ser folclórico sacudindo de novo as cortinas quando ele desapareceu no meio de um tufo de fumaça diante de nós.

Silêncio total de novo. Atônitos, não nos movíamos.

Segundos depois o Zékid foi se levantando devagar. As pernas trêmulas insistiam em ficar estateladas no assoalho do palco vazio. Forçou daqui e dali até que pôs em pé. Respirou fundo e postou-se diante do microfone, tossiu pondo em ordem os pensamentos que ainda estavam em estado de choque, e disse “ bom...bom gente....cóf cóf ...Palmas para nosso artista que entrou e saiu que nem vento, palmas pra ele meus amigos”. E as palmas foram chegando aos poucos sem que ninguém entendesse se aquilo foi um show encomendado pela casa, um pesadelo, ou se foi uma visão real. Zékid ainda continuava “E aí moçada, quem será o próximo que vai subir aqui e fazer o seu show? Quem mais?”