Dejà vú

Eu estava no bar, tomando o conhaque de sempre quando ele chegou, e lá vinha ele, entrando pela porta.

Já estava meio alterado quando o cara com feição de forasteiro sentou-se ao meu lado e disse "são dois" quando eu disse "mais um".

O que esse cara queria?

Ele tirou seu chapéu, revelando uma cabeleira loura. Olhou-me nos olhos e fez os cumprimentos. Seu nome? Não importa se será apenas mais uma pessoa que passará, e notará minha presença por gentileza.

O barman trouxe mais uma dose de conhaque, eu bebi em um gole só e ressonei feito um bode velho "coloca na minha conta Tom".

Peguei uma garrafa long neck de cerveja preta e caminhei até o lado de fora do bar. Já estava escuro, havia alguns carros parados ali, e a estrada estava vazia.

Fazia bastante tempo que não se via sombra de chuva por aqui, e aquele céu completamente nublado já era novidade.

O tal forasteiro estava me irritando, ele disse em sua voz calma que eu era previsível demais.

Eu, para não perder o costume, deixei escapar uma risada sonora, seguida do deboche -Eu sou previsível por que peguei uma cerveja e estou aqui olhando o céu?-.

Ele não mudou de expressão, parecia muito calmo, e observador. Em toda sua tranqüilidade ele respondeu -Não, você é previsível por que esperava que eu viesse-.

Eu o olhei incrédulo.

Seria possível que uma pessoa tão enxerida aparecesse do nada assim?

- Para a sua informação, eu não espero ninguém. - Eu respondi categoricamente.

- Por isso estava tão ansioso antes de eu sair por essa porta?- na minha opinião ele estava arriscando, mas parecia muito certo para tal.

- Agora você adivinha coisas também?- Eu o retruquei em tom de deboche.

- Eu posso adivinhar mais coisas do que você acha possível. - Ele desafiou.

- Ah é grandalhão? Adivinhe-me coisas então. - Eu debochei mais uma vez.

Um silêncio se prolongava ali, então eu saí sem olhar para ele.

Ele era bem insistente, correra até que fosse possível que eu o ouvisse. Então propôs como se barganhasse - Está vendo essa chuva que se arma agora?

- Você é mesmo um completo idiota, não vê que estou indo embora por conta disso? -Eu perguntei, pareceu mais uma ofensiva do que uma defensiva.

-Pois é essa chuva não passa de nuvens, e você sonhará comigo. - ele disse meio ofegante, esperando minha reação.

Eu o olhei, investigando de cima a baixo, charlatanismo, na certa! Ajeitei uma feição incrédula e continuei andando, até que cheguei no meu carro.

Enfiei a mão nos bolsos da jaqueta a procura das chaves do carro, por algum motivo não conseguia encontrar.

-Charlie, deixou as chaves encima do balcão, no bar.- ele disse tirando as chaves do bolso e colocando a altura do rosto

Arranquei as chaves de suas mãos, e argumentei irritado - Como é que sabe meu nome?!- e me virei para abrir a porta do carro.

Meu braço foi impedido de chegar até o carro. Ele, o forasteiro patético e charmoso puxou meu braço e ficamos de fronte um ao outro, sabe como é, cara a cara, a poucos centímetros de distância, nossos narizes quase se tocavam.

Ele disse entre dentes - Você é tão idiota que não vê quando a oportunidade bate em sua porta. - Senti que o homem colocava alguma coisa no bolso traseiro da minha calça, quase enlouqueci sentindo o toque dele.

-Tudo bem, meteorologista- eu tentei disfarçar meu desconcerto - Mas agora eu preciso ir, entende, a chuva vai chegar, e não demora muito.

-Tolo você Charlie!- ele disse alto quando eu já estava dentro do carro.

Girei a chave e dei partida no carro, manobrei até que pudesse pegar a estrada, era quase impossível não o olhar pelo retrovisor, aquele chapéu chique, suas calças apertadas, e a bota empoeirada.

Agora eu precisava prestar atenção à estrada, estava bastante escuro, e eu ainda estava meio alto por conta da bebida. Cheguei à porta da minha casa.

Saí do carro, chequei o correio, havia duas cartas, ambas do Paulo, meu primo que viera passar as férias comigo.

Andei em direção à porta, quase me esquecendo de olhar o que o forasteiro colocara no meu bolso.

Enfiei as pontas dos dedos, meio desesperado tentando tirar aquele papelzinho.

Era um cartão, tinha um numero de telefone, com código de área interurbano, e em letras douradas estava gravado seu nome Andrew J.

Entrei em casa e deixei as cartas encima da mesa fui meio destraído para o quarto. Sabia que precisava me relaxar em um banho, me despi e entrei no banheiro para tomar meu banho.

Estava me ensaboando quando ouvi a porta do quarto se abrindo, era Paulo.

-Bela chuva, a que esta armando. - ele comentou comigo.

-É, só espero que caia uma chuva mesmo.

Ele não entendeu muito bem o que eu queria dizer com isso, eu preferi não entrar em detalhes. Mais uma vez a porta fez barulho.

Terminei o banho, me enxuguei e saí do banheiro enrolado na toalha. Paulo havia retirado seu travesseiro de cima da cama, revelando meu pijama.

Eu o vesti e me deitei sem demora, estava muito bem aquecido debaixo do edredom e do lençol, olhei para o teto sem ver por alguns instantes e não foi difícil pegar no sono.

Também não foi difícil o tempo passar parecia que cinco minutos tinham se passado, no entanto já estava claro, e eu ouvia barulho na cozinha.

Paulo estava preparando o café, eu tinha decidido lhe contar sobre o que acontecera ontem no bar, sobre o Andrew.

Quando comecei a contar, Paul se inclinou em minha direção e colocou a mão em meu rosto, como quem mede temperatura de alguém e disse em seguida - Você está bem ?

-Estou perfeitamente bem, apenas curioso, com o caso do forasteiro.

-Charlie, ontem você não saiu, nós ficamos em casa o dia todo vendo TV.- Ele disse, me olhando desconfiado.

-Você deve ter sonhado. - Ele insistiu, investindo na minha loucura. - Amenos que você tenha vivido tudo isso enquanto foi lá fora checar o correio.

Depois de um tempo, ele conseguiu me convencer de que tudo fora um sonho.

Eu bem que desconfiei, já que estava tudo surreal demais. Rimos daquela situação, e eu comi minha panqueca.

Combinamos de sair, ir ao cinema, ou ao bar. Fui ao quarto me trocar.

- Paulo, onde está a minha calça, aquela mais clara, que eu usei ontem?- eu perguntei quando não achei a calça que usaria hoje.

-Aquela que tem um cartão branco com letras douradas?- Ele perguntou alto.

Meu coração quase foi à boca e eu corri ao encontro da calça

Era inacreditável, a calça estava ali, quero dizer, o cartão também.

Meus olhos famintos leram muito rápido o que estava escrito, e não havia numero nenhum. Apenas os dizeres "Você é tão idiota que não percebe quando a oportunidade bate à sua porta, fique atento. Andrew J."

Eu praticamente cai sentado no sofá, meus olhos se fecharam e eu refleti sobre o que estava havendo.

-Engraçado como esse lugar é árido, depois de anos, e nem aquela nebulosa de ontem à noite nos trouxe uma chuvinha.- Paulo comentou num tom rabugento.

Essas palavras me fizeram cogitar abrir os olhos, de espanto.

Quando os abri, pude notar que não estava na sala da minha casa mais, estava meio perdido, mas aquela cena me era familiar, eu estava no bar, tomando o conhaque de sempre e lá vinha ele, entrando pela porta.

Absolém
Enviado por Absolém em 07/05/2010
Reeditado em 13/10/2010
Código do texto: T2241708
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