Romance secreto
Quando o conheci, eu ainda cheirava a cueiros. Ele, no entanto, já possuía ares de experiente conquistador. Sonhadora desde sempre, logo encantei-me com seus faz de contas e aventuras fascinantes.
Minha pobreza nos separou, momentaneamente.
Em encontros fortuitos, na adolescência o reencontrei, e, logo deixei-me enredar por seus galanteios. Mas, para vê-lo às escondidas, era preciso fugir para a casa de minhas tias e, no desejo de absorver cada palavra sua, totalmente envolvida com o capítulo de cada dia, chegava a perder a noção do tempo. Quando mamãe dava por minha falta, mal posso lembrar...
Custaram-me caros esses encontros, muitas surras, muitos castigos.
Mamãe não admitia um ensaio, quiçá um romance...
Imaginava que ele, cheio de experiências, poderia encher de fantasias e bobagens minha cabeça.
Pobre mamãe, penso por conta disso, apaixonei-me mais ainda.
E, sem desconfiar tão logo o reencontrasse, feito fada madrinha, não mediu esforços, com uma bolsa de estudos me levou a adentrar o seu mundo. A vida então se encarregou de cruzar nossas histórias.
Nessa época, fomos oficialmente apresentados.
Sob o encanto de Cinderela, pude enfim, desfrutar de tardes inteirinhas, só para nós... Ah, como foi bom sonhar, dançar, trocar juras, sorrir e por vezes, até chorar... tamanha emoção ao seu lado.
Nossos encontros tornaram-se cada vez mais freqüentes. Aos poucos com sua inesgotável sabedoria ia desvendando os mistérios do mundo e, passou a ser meu companheiro inseparável de todas as horas...
Acompanhando-me dia e noite, escondido, entrou em meu quarto.
Sussurrou promessas de amor sem fim em meus ouvidos...
Falou-me de amor, recitou poesias. Em prosa e verso me fez companhia.
Longe de meros contos de fadas, em trovas, sonetos e poemas, me fez conhecer do amor a magia...
Em seu silêncio falou-me de todas as línguas, das dores do mundo,
dos sonhos todos, de todas as canções, de todas as utopias... e sem sentir, despertou-me todo tipo de sentimento.
Julguei amar somente a mim, enganei-me.
Fui ingênua, não percebi do seu amor a dimensão...
Seu amor não é egoísta, seu amor é universal.
Não cobra reciprocidade, não tem vaidades.
Simples, discreto, sutil, revelando-se em diferentes linguagens, pequenas frases, meias palavras, entrelinhas...
Por vezes não o compreendi. Virei a página, o deixei de lado e também o abandonei quando estendia-se em longos discursos, não reclamou.
Recolhido, permaneceu silencioso.
Porém, sempre disponível, deixando-se amar e conhecer por inteiro...
Até compreendê-lo por fim, um amor desprendido.
Um amor verdadeiro, amor de amigo, amigo de cabeceira...
Finalmente, penso entender que a intensidade do meu, e do seu amor, reside na liberdade recíproca, pois meu grande e inseparável amor-adolescente, que atende pelo codinome: Livro, sendo de todos e de nenhum, também não escraviza amante algum.