A BONECA DE PORCELANA INGLESA

5 de Dezembro de 1900, e dona Mariana gritava das dores do parto, era quase meia noite, chovia 'a cantaros, o medico nao chegava, decerto estava '' atolado'' em alguma vala no caminho, com a chuva forte que caia com certeza estava , e a negra Zabe' sem saber o que fazer.

Seo Deolindo estava na capital, a mae de dona Mariana, dona Ingracia, era surda como uma porta e nao adiantava bater na porta do quarto dela, Zabe' tinha trazido consigo pro quarto da patroa a negrinha Tiana, nao valia muita coisa, nada entendia de partos mas ajudava, corria apavorada de la' pra ca', trazia agua, panos e ficava de olhos esbugalhados olhando e dona Mariana gritando das dores e Zabe' acalmando-a, sabia que mais uma vez ela teria que fazer partos nesta familia...e pensando:- pro que cera' que sempre que um desta familia vem ao mundo, vem de noite, com chuvas, relampagos e trovoes e dona Mariana gritou mais forte e chamando por Zabe'...

Me ajuda Zabe', pelo amor de deus Zabe'..e foi perdendo as forcas e Zabe', batendo no rosto dela, jogando agua fria e viu que a agua escorria agora, tinha estourado..e a cabeca ja' apontava...e Zabe' nem precisou fazer muita forca e o corpinho passou rapido ...e rapido ela cortou o cordao, embrulhou no cobertor pesado e deu pra Tiana cuidar, isto ela sabia fazer, cuidar de bebes, e passou a cuidar de dona Mariana...

O relogio deu doze badaladas,...dom...dom...dom...e Zabe' pensou:- nasceu no ultimo minuto do dia 5...mesmo dia que minha mae, vai chamar Ana, como minha mae.

Quando a chuva acalmou, o doutor chegou, terminou o pouco que restava, cuidou de Ana e de dona Mariana, Zabe' ajeitou o quarto, limpou tudo, mandou Tiana levar toda a roupa suja pra baixo, deixou o quarto limpo, fresco e dona Mariana agora dormindo e Ana tambem...

Zabe' se ajeitou por ali como pode, dormiu, mas logo o galo cantou...Zabe' acordou, Ana agora chorava e dona Mariana deu o primeiro leite e Zabe' dizendo:- eu coloquei o nome nela de Ana...se oce coloca' otro num fico triste nao, mais pra mim sempre vai se Ana...dona Mariana, olhou a filha, olhou para Zabe' :- Ana e' um nome lindo Zabe', vai ser Ana sim e Zabe'? obrigada...e chamou para perto, mais perto falou..e Zabe' chegou bem pertinho e ganhou o primeiro abraco da patroa...e depois destes foram muitos, ficaram amigas e dona Mariana teve mais filhos, todos recebidos pela Zabe'...que doutor que nada!!...ele apenas vinha dar o toque final, Zabe' ficou esperta em partos , fazia da fazenda toda.

E Ana crescia. E Zabe' cuidando dela e de todos. Mas Ana era sua predileta. Quando Ana tinha deis anos, dona Mariana e seo Deolindo foram para a Europa. Ficariam por la' seis meses e Zabe' cuidando de tudo na fazenda, e eles prometeram presentes para todos na volta, ...cada um pediu uma coisa, Zabe' tambem...queria uma '' saia rodada de tafeta' vermelho, com crinolina vermelha tambem, para fazer volume patroa e saiu rindo,...e voce Ana? o que quer?.....uma boneca de porcelana inglesa....dona Mariana recebia catalagos la' da capital e Ana tinha visto uma destas em um dos catalagos, tinha amado na hora, foi correndo buscar o catalogo, mostrou para a mae, a mae pegou o catalago, colocou na mala.

Seis meses depois Ana recebeu a tao esperada boneca de porcelana inglesa, veio em uma caixa grande, tinha um vestido branco lindo, todo rendado, um chapeu branco tambem, tinha cabelos loiros, uma face rosada, a boca meia aberta, se via a fileira de dentes superiores e os olhos, ahhh os olhos, grandes com cilios e azuis , azuis..e abriam e fechavam, conforme Ana ninava, meias brancas, sapatos pretos e as maos, lindas maozinhas de porcelanda tambem com uns dedinhos delicados, e ate' unhas tinha, pintadas...Ana amou de paixao, na hora e olhando para Zabe' foi falando:- Vai chamar Isabel...mas nao chama ela de Zabe' nao viu Zabe'....Zabe' chamou sim...mas nao de Zabe', chamou de Zabezinha e Ana adorou..tinha agora a mae Mariana, a mae Zabe' e tinha Isabel como amiga...e Zabe' ganhou a saia com a criolina vermelha cor de fogo, adorou, amou...e ganhou um boneco de porcelana inglesa tambem, dona Mariana sabia que Zabe' nunca teve na vida uma boneca e sabia o quanto ela iria gostar de um menino...Zabe' adorou, chamou de ""Lemao'', era o alemaozinho dela..colocou no quarto, em cima da penteadeira...e Isabel ia por la brincar com os dois.

Quinze anos depois.....Zabe' estava agonizando, Ana ao seu lado, chorando...seo Deolindo tinha ido buscar o medico, era longe, ele estava demorando, e seo Deolindo era meio devagar, mais ainda depois da morte de dona Marina, primeiro foi sua mae, dona Ingracia que se foi e dois anos depois dona Mariana, e os filhos casados e so' Ana ainda solteira morando no casarao e Zabe' sussurrando, falava coisas sem nexo e Ana ouvindo, tentando compreender. e entendeu...Zabe' queria o "" Lemao'' o lemaozinho dela, Ana pegou, deu-lhe e ela abracou e pedia agora...Zabezinha e a Ana foi buscar e deu-lhe e ela abracando os dois, fortes e chamou Ana bem proximo e dizia:- nunca separe os dois, eles sao como eu e voce, nao deixe ninguem judiar do meu alemao, promete? nem de Zabezinha? promete e Ana prometeu...e Zabe' foi falar com o criador a quem ela tanto amava.

...E o tempo passou, vieram veroes, se foram os invernos , dona Ana nunca se casou, ficou no casarao cuidando da fazenda e sempre tinha hospedes por la'...nunca o casarao ficava vasio e ela sempre mostrando tudo, conservava o casarao como um museu, cobrava dos hospedes e acabou transformando parte do casarao em hotel fazenda, fechou o acesso dos seus aposentos e o restante contratou empregados e o hotel fazenda prosperou, e dona Ana estudou, viajou para a Europa e levava sempre com ela Zabezinha e Lemaozinho, nunca se separou dos dois e no hotel fazenda mantinha ' a sete chaves, medo de que lhe roubassem os dois...

5 de Dezembro de 1990. Dona Ana completava 90 anos.

Foi aquela festa no hotel fazenda. E ela assoprando as 9 velas, simbolizando cada uma uma decada de vida e Zabeinha e Lemaozinho um 'a esquerda, ele, e a outra 'a direita, sentadinhos,caladinhos, como bons filhinhos dizia dona Ana.

Um dos hospedes, Haroldo, notou a boneca e o boneco de porcelana inglesa, reconheceu na hora a fabricacao, viu que era coisa de colecionador, sabia do valor e da antiguidade, nada disse 'a ninguem, chegou perto de dona Ana, e como quem nao quer nada ficou fazendo comentarios dos bonecos e tirando fotos e ela contando tudo para quem estivesse por perto, quando ganhou, quem trouxe, de onde, quanto custou na epoca e bla bla bla...e despertou a cobica de Haroldo.

Um mes depois Haroldo voltou a se hospedar no hotel fazenda, vinha junto com ele um outro sujeito mau encarado, Danilo, e ficaram por ali uma semana e como nao querem nada, apenas curtir o hotel....

Dona Ana acordou, Berta a empregada particular atendeu e ajudou a se vestir e servia o cafe' quando ouviu dona Ana gritando e gesticulando e apontando na direcao da penteadeira e dizendo Zabezinha, Lemaozinho....e tentou se levantar , nao conseguiu e quase caiu, Berta segurou sentou-a de novo e cade? onde estao? gritava dona Ana....a policia nao consegui descobir, tinham entrado 'a noite pela porta, no minimo usaram um '' miche'', chave falsa diziam, nao havia sinais nenhum....os bonecos nunca mais foram recuperados.

Dona Ana nao sossegava, usava do seu poder, prestigio, dinheiro, oferecia, oferecia mais e nada...ninguem sabia de nada e ela prometeu:- eu nao morro ate' eles voltarem....e o tempo foi passando.

5 de Dezembro de 2000, dona Ana completava 100 anos.

Morava ja' fazia cinco anos neste Lar de velhinhos. Tinha vendido o hotel fazenda e veio morar neste lugar. Todos por la' na espera do bolo, diretores, funcionarios, que nao era todo dia que um dos hospedes completava 100 primaveras e isto precisava ser comemorado e a televisao do salao passando o jornal da uma da tarde e diziam do crime horrendo acontecido na capital :-Tinham encontrado morto Haroldo, degolado e todo desmembrado e horas depois Danilo, tambem degolado e desmebrado...um horror!!! a policia nao tinha suspeitos e nem pista de nada, manchas de sangue pra todo lado e pequenas marcas de pe's no sangue coagulado...e estavam investigando e dona Ana ouviu isto e nao hora soube...foram eles entao...sei que foram...e agora meus amores estao voltando para mim..e se foi levantando e indo para seu quarto...abriu a porta devagar, chamou baixinho :- Zabezinha? Lemaozinho? e foi empurrando a porta e entrando, fechou a porta atras de si..e viu, viu os dois de maos dadas, sentados bem comportados e quietinhos na banqueta da penteadeira....sorriam para ela, ela estendeu os bracos, abracou os dois, forte , nem se importando com as manchas de sangue que os dois tinham na roupa..e Zabezinha tinha um sorriso tao largo, tao grande agora nos labios que pela primeira vez em quase 100 anos dona Ana via a fileira de dentes inferiores dela...e Lemaozinho tinha a boca aberta e faltava uns dentes na boquinha dele e dona Ana passando a mao , dizendo:- mamae vai curar este doidoi ja' e ja'...e nao viu mais nada.

Nao teve bolo nem festa. Chovia torrencialmente na hora do caixao descer para a cova. Poucas pessoas ajudando, a chuva era muita, grossa, pesada, como na noite que dona Ana nasceu..mas dona Ana tinha um sorriso lindo na face e a boneca de porcelana inglesa tambem sorria e o boneco de porcelana inglesa nao...estava serio, nao queria sorrir, lhe faltava uns dentes que perdeu quando , primeiro Haroldo tentanto fugir da faca afiada, bateu-lhe na boca e depois Danilo socando firme para nao ser degolado...foi!!

Assim que o caixao tocou o fundo da cova, dona Ana esticou um braco e passou a mao na boca de Lemaozinho, os dentinhos nasceram na hora de novo, ele sorriu...Zabinha fez muxoxo e dona Ana abracou os dois, dormiram para a eternidade.

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WILLIAM ROBERTO CUNHA
Enviado por WILLIAM ROBERTO CUNHA em 01/05/2010
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