Agruras de um fantasma
Beiço levantou ainda meio zonzo depois de mais uma daquelas bebedeiras em que saía de quatro pés do bar e nem imaginava como viera parar em casa. Não gostava do apelido, mas o que fazer, era beiçudo mesmo. Dirigiu-se ao banheiro, mas, não conseguiu abrir a porta.
– Diabo! Minha mão atravessa a porta? Será que ainda estou bêbado? Que horas são? Nossa! Dormi pra caramba. A peste da Marilda ronca que nem uma porca e nem me viu levantar. Porra! Tem um cara dormindo do lado dela! Será que a desgraçada me traiu na minha cama ao meu lado? E eu tava tão bêbado que não vi? Ta bem, vou aproveitar pra me mandar. Já estou mesmo cheio dela. Tentou acender o fogão pra tomar um café, mas, que nada.
– Droga! Que diabo! Será que eu morri? Vai ver que é isso! Bem! Quem mandou beber tanto? Até não é ruim, deixa ver, estou inteiro, é isso! Estou morto! Livre da Marilda pra sempre. Há! Então o cara do lado dela, era... Eu mesmo? Bem melhor assim, depois não vão dizer, lá vai a viúva do beiço corno. Legal, essa de morrer, não tem mais que pagar conta! Puxa quase hora do jogo. Será que dá pra ver? Claro, defunto não paga entrada. Pegar o ônibus? Pera aí dizem que defunto voa. Legal! Funciona, lá vou eu. Nossa que legal acima das nuvens. Lá está o estádio, puxa! Ta lotado. Vou direto pro camarote da diretoria. Dali a gente vê melhor. Legal! Chamam isso de camarote? Droga! Onde fica o banheiro? Mas. pra que banheiro? Ninguém ta vendo, vou mijar naquele vaso de folhagem.
– Moço! Não pode fazer isso aí!
– Hei! Se você ta falando comigo, deve estar morto também.
– Claro, vim te ajudar.
– A mijar?
– Não! Você morreu, precisa de ajuda.
– Há! Você tem um cigarro?
– Não! Aqui não pode fumar.
– Pera aí! Se nós estamos mortos, ninguém vai ver a gente fumar.
– Não é isso! Aqui onde estamos é proibido fumar.
– Aqui também? Aqui não é o céu?
– Não! O céu é dos católicos eu sou budista.
– Bundista? O que é isso?
– Não cara, B-u-d-i-s-t-a, sem “n”, outra religião.
– Há! Sei, foi caco de linguagem, fique sabendo que na escola eu ganhava nota “O”. – Aquilo não era “O” era “zero”.
– Mas e daí? Que se danem eu quero um crivo. - Não pode, é proibido.
– E quem proíbe? Olha cara, se eu to morto, ninguém mais pode me fazer mal.Certo? Então! Não posso mais morrer, já morri.
– Mas você pode ser castigado pela sua consciência. – E eu lá sei o que é isso? Onde fica? Na cuca ou no...? Olha! To nem aí! Já se viu, lá não pode. Fumante lá virou discriminado aí chega aqui e também é discriminado. Aqui não é o tal paraíso? Quem afinal manda nesse barraco? Onde ta o Deus, quero falar com ele.
– Não pode, precisa de autorização.
– Há! Aqui também tem essa babaquice de burocracia? Será que a fila é muito grande?
– Bastante!
- Puxa! Isso aqui é muito chato. – Tem 10 mangos pra me emprestar?
– Aqui não tem dinheiro! Não tem essas coisas mundanas.
- Ta! Não vai me dizer que aqui tem político também!
– Não! Isso ainda não tem. Você já viu político onde não há dinheiro? Há! Pelo menos isso. Hei! Mulher tem? – Claro!
– Digo daquelas, sabe como é? - Sei! Mas aqui não tem isso. Quer saber? Tchau, vou voltar lá pra casa pensar pra onde vou. Droga o jogo terminou e nem vi o resultado. Fiquei dando papo pra esse chato. Bem sempre posso agora ler o jornal de graça. Deve ter um lugar por aqui onde a gente possa fumar e tomar uns tragos. Beiço desiludido com as regras do outro lado resolveu voltar pra sua casa.
– Aquele chato não deve saber onde eu moro. Que se dane! Chegando em casa, sentou-se a mesa e sem se dar conta estava fumando.
– Legal! É só ficar longe dos chatos que a gente consegue. Quem sabe um traguinho pra acompanhar? Legal, funcionou de novo.
– Beiço! Seu bêbado imundo! Onde está você?
– Chii! É a chata da Marilda!
– Seu imundo! Você mijou na gaveta da cômoda que estava aberta, vai limpar Já!
– Hei! Se ela ta falando comigo, significa que... Que... Ela também ta morta? Não! Deus não pode ser tão mau assim! Era sorte de mais, me livrar da gorda de uma vez e agora ela ta aqui também pra me azucrinar a vida. Não! Na vida já me azucrinou que chegue e agora na morte também? Olha! Não sei pra onde eu vou, mas quer saber? Fui!