Meu vício é a liberdade

I Parte

A comida parecia ótima, a visão era altamente apelativa, e o inebriante odor lhe fazia cócegas no estômago, estimulando nele pensamentos confortáveis. Provou um pouco da lasanha enquanto esperava pela garrafa de Château Mouton-Rothschild. Hum! Pensou era quase um sacrilégio não poder comer algo tão bom, nunca mais vou a outro lugar, aqui tem o que há de melhor. Cada tragada daquele ar condimentando lhe levava de volta à sua maravilhosa infância. Enquanto pensava, ouviu uma voz: - Senhor, senhor, deve ser o garçom, pensou preguiçosamente.

- Senhor. A voz veio mais alta.

- Senhor! Dessa vez foi quase um grito, mas ele continuava absorto nos seus pensamentos, via o garçom, agitando na sua frente, uma opulente garrafa e mais uma vez a voz esganiçada, - Senhor! Seguida do som de um estalido. Ele sobressaltou. Sentiu o desconforto da cadeira, olhou em volta e viu-se numa sala clara, numa parede distante à sua frente, uma tela enorme. O cheiro e o sabor da lasanha tinham-se perdido.

- Senhor, o filme terminou, precisamos fechar a sala.

- Está bem, obrigado! Disse fazendo esforço para se situar mentalmente.

A realidade inundou os seus olhos, as poltronas eram vermelhas. Como adorava o vermelho! era a cor da sensualidade, era a cor da tentação. Para si o vermelho era mais que uma cor, era um sentimento, um medo, um fantasma, um modo de arrependimento, por isso escolhera aquela sala, todos os dias entrava na mesma hora e em vez de assistir ao filme como todo mundo fazia, ele dormia, às vezes até roncava e justamente naquelas horas em que o filme mais pedia silêncio. Não podia controlar o seu ronco, era de prazer, vinha do cheiro à lasanha que comia diariamente debaixo da luz fusca daquela sala de cinema, naquele sonho de todos os dias, que acabava sempre da mesma forma. Eu preciso de um filme que demore mais tempo, dizia para si mesmo, pelo menos... quinze minutos, não vou me importar. Mas trinta era tudo quanto precisava para tragar aquela maravilhosa sinfonia de sabores. No fundo era tudo imaginação, ele sabia, mas gostava e por isso revivia aquela refeição sempre da mesma forma, no início de cada filme e no momento em que o zelador lhe mostrava a garrafa de Château Mouton-Rothschild, ou melhor, no momento em que o garçom batia as palmas de retirada, bom, sei lá essas luzes sempre me confundiram nunca soube quando eram os holofotes ou quando era o sol, para mim o importante é que tivesse luz e ponto.

Felizardo Costa
Enviado por Felizardo Costa em 15/04/2010
Código do texto: T2198409
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