A volta e a volta
Teresa acordou e olhou para o filho Claudinho, que dormia na cama ao lado, impunemente, como um pássaro no ninho. Dali a pouco teria de acordá-lo para ir à escola que ficava no caminho entre sua casa e o trabalho.
Dirigiu-se ao banheiro e olhou no espelho. “Que rosto amassado, parece que uma betoneira passou em cima de mim”, pensou. Como estava adiantada, resolveu tomar um banho mais longo que os rotineiros, daqueles que lavam o corpo e a alma.
Vestiu o roupão e foi ligar a televisão. Assim que entrou na sala, levou um susto enorme. Tentou gritar, mas a garganta furtou-lhe a vontade e seus pés ficaram plantados no carpete. Um homem dormia no sofá. Permaneceu paralisada alguns segundos até criar coragem e olhou o rosto do dorminhoco. “Meu Deus do céu, é o Cláudio.” Apesar da barba, Teresa teve a certeza. Era ele mesmo. Milhares de perguntas vieram a sua mente. “Aonde foi, por que voltou?...
Ele se conheceram na fila de xerox da faculdade. Ambos faziam o curso de Psicologia. Ele, dois anos a frente. Ela, uma caloura inexperiente e ingênua. Cláudio, um dos rapazes mais formosos da escola. Muitas alunas suspiravam ao ver aquela figura morena passar no corredor. Era também inteligente e pertencia ao centro acadêmico. Bom orador, não tardou a ser líder estudantil.
Namoraram por mais de um ano. Até que um dia ele sumiu. Teresa procurou seus amigos, parentes, e nada. Foi até à polícia. Cláudio havia desaparecido por completo, sem saber que tinha deixado um fruto na barriga de Teresa.
Claudinho tinha, naquele instante, quase quatro anos e sua mãe já era gerente de recursos humanos numa grande empresa. Bom salário, apartamento próprio. Mas sempre evitou namorados, porque o espectro de Cláudio sempre a acompanhava e acreditava que um dia ele voltaria. E, agora, ali estava ele.
Cláudio carregava um molho de chaves na cintura. Teresa olhou e percebeu que uma delas parecia a do seu apartamento. Como seria possível? O prédio nem existia quando ele sumiu. Olhou para a porta e notou que a principal lingüeta da fechadura estava destravada. Ele vestia um tênis velho e fora de moda, uma calça jeans puída e suja. Um maço de cigarros ordinário no bolso da camisa. E a barba? Seu rosto era liso como porcelana chinesa. Ela lembrou-se de uma música de Caetano Veloso que gostavam muito. Um dos versos dizia: “Tempo, Tempo, Tempo, Tempo, entro num acordo contigo.” Cláudio envelhecera, não fizera acordo com o tempo.
“Claudinho, ele precisa conhecer o filho.” É a sua cara, seu cabelo, seu nariz... Mas sentiu medo de acordar Cláudio, que dormia tão profundamente quanto o filho. Respirou forte todo o ar que podia e foi até o quarto despertar o menino. Deu trabalho, demorou alguns minutos, mas levou-o pela mão até a sala. Mas não havia mais ninguém no sofá.
Cláudio não estava mais ali. Não deixara marcas no sofá, nem no carpete. Nem seu cheiro de suor no ar. A fechadura da porta, travada. Teresa pensou na fila de xerox, no centro estudantil, na sua barriga grande, na música de Caetano. Cláudio não estava mais ali. Mas Teresa continuou a pensar.