Simbiose - II
Escorreguei pelo corrimão. A velocidade foi tanta que por pouco não fiz o molde do meu rosto na parede. Ao conseguir me fixar no chão começei a rir como um garoto de 19 anos... Mas, calma lá! Eu era um garoto de 19 anos.
A empegada chegava cantarolando uma canção estranha. Me aproximei.
- Bom dia senhora! - Falei com cordialidade.
- Que senhora o quê. Você que é um pirralho! - Falou entre dentes.
Preferi não levar bolsadas naquele primeiro horário. Sorri e sai. Definitivamente eu estava querendo quebrar a cara.
Andando pela rua escutei alguém cantarolando a mesma canção antiga e brega. Opa! Era eu mesmo. Droga de música chata! Obviamente eu iria cantá-la o dia inteiro até que escutasse mais outra porcaria.
Atravessei a rua em direção a uma padaria. O cheiro de pão de queijo me fez fechar os olhos, sorrir e seguir o cheiro. Entrei na padaria com aquela mesma cara de otário, mongol e pateta. Quando abri meus olhos a atendente me observava sem entender minha antiga expressão.
- Bom dia, o que o senhor deseja?
- Sou menino! - Fitei-a impaciente.
- Ah... - sentiu-se constrangida.
- Brincadeira! Tenho 78 anos, mas eu nasci velho, igual ao Benjamin Button, sabe? Você viu esse filme?
- Ah... - Continuava com aquela cara de idiota.
- Tá, quero um pão de queijo para levar.
Depois de me entregar o pedido ela ainda me fitou. Foi minha vez de ficar constrangido, mas claro, sem deixar transparecer. Sai sorrindo e dizendo: "Na verdade tenho 76!".
Ainda cantarolando aquela música estúpida, continuei andando. O pão de queijo realmente estava delicioso, uma pena que nem pude sentir o gosto, ao dar uma única bocada e mandá-lo diretamente para o meu estômago. É, coisas da vida...
O relógio me mostrava o deselegante atraso matinal. Não, o problema não era a escola. Eu já havia terminado a escola, faziam já três anos. Minha inteligencia me fez adiantar um ano... pois entrei um ano antes na escola, isso sim.
Nem eu sabia onde estava indo, apesar da saber que estava muito atrasado. Me observei no reflexo de uma vitrine, aquilo que eu chamava de cabelo estava igualmente loiro como em todos os dias.
Vi um Maserati amarelo. Nossa! Antigo e lindo. Aquele carro me despertou uma incrível curiosidade, quem seria o cara que estava dirigindo tamanha beleza? Fiquei intrigado. Observei atentamente as janelas, e então vi algumas mechas de cabelo loiro por entre o espaço aberto.
A rua estava já com muita gente. A prefeitura lotada. A escola então... Nem se fala. Continuei caminhando. Olhei novamente para o Maserati, foi então que algo me surpreendeu. Ela era perfeitamente linda, a mulher mais linda que eu ja havia visto em toda a minha longa vida de 76 anos... Menos 57.
Caminhei automaticamente até ela. A observei ao longo do percurso. Ela estava em uma belissima situação... O salto cor-de-rosa chicléte estava preso em um ponto que não pude observar do carro. Ela se retorcia para se livrar daquela situação. Felizmente se desprendeu. Muitas pessoas a olhavam intrigadas, segurando-se para não rir.
Foi então que vi o seu esplêndido sorriso ditoso. Ela ria, ria da própria situação, assim como eu quando quase enfiei a cara na parede.
Ela, maravilhosamente, ignorava as pessoas mediocres que se seguravam para não rir, enquanto isso andava com passos curtos, com as pernas dentro de um jeans skinny. Fiquei maravilhado, encantado e, diga-se de passagem: apaixonado.
Eu ria também. Foi quando ela notou esse meu ato. Me observou e seu sorriso desapareceu. Sua carinha ficou ainda mais bela, com os cabelos ainda desajeitados por cima dos ombros cobertos por um moletom do Mickey Mouse. Ela me fitou, completamente imóvel, a alguns centímetros de mim.
Os olhos pintados e as olheiras ainda aparentes me fitavam mais e mais, fitavam minha boca aberta e rindo estridente.
Pensei em algo para dizer, eu só abria a boca para falar merda. Claro, um garoto de 19 anos rindo de uma mulher. Onde já se viu? Que feio para mim, que ridículo.
Sim, com toda a certeza do mundo agora, eu realmente queria que quebrassem minha cara. Havia acordado disposto a isso.
- Você é hilária! - Eu ainda chorava de tanto rir.
Agora ela fitava meus olhos. Ainda rindo eu fitava os olhos dela. Olhos negros, olhos lindos, olhos enigmáticos.