Abstração do Ego
Assusta-me pensar no quanto meu ego se tornou ausente na minha personalidade desde que percebi que a vida pode ser muito mais doce. No início, ele apenas se afastava, saía de mim para perambular em diversas cores pelos inúmeros objetos ao meu redor. E, quando eu falava, não ouvia a minha voz. Ouvia pedaços do meu ego fragmentado conversando entre si, sobre assuntos que eu vagamente compreendia.
Nessa época, eu ainda conseguia trazê-lo de volta por alguns instantes para colocar o mundo amargo em foco novamente e não perder a capacidade de me estabilizar nele. Mas, a realidade vista em caleidoscópio, que sempre pareceu muito mais interessante, acabou me roubando do meu ego, mostrando o quanto eu e ele somos diferentes. E essa diferença, num mundo ao mesmo tempo doce e ácido, acaba se tornando um incômodo enorme, que separa a liberdade lunática do aprisionamento lúcido.
E eis que, quanto mais adoço a vida, mais vejo o ego morrer, transcendendo em algo mais puro, e, ao mesmo tempo, incompreensível para mim e os demais. Estes, sempre bem-intencionados, já me avisaram o quanto este distanciamento pode ser perigoso e irreversível. Mas, ainda que leve as palavras deles em consideração, elas apenas deixam tudo mais amargo, levando-me a querer mais e mais viagens para longe do mundo deles.
Antigamente, eu precisava do meu ego, da permissão e da aprovação dele para poder me encantar pelo novo mundo. Agora, pelo contrário, preciso deixá-lo de lado para entender todos os fractais de vida que permeiam por uma dimensão de sons escorregadios e cheiros cintilantes, trazendo consigo uma porção inestimável de auto-compreensão.
Mas, seria o abandono do ego algo realmente arriscado? Ou será que esta idéia não passa do medo de ser livre? Eu seria realmente triste se vivesse sem ele no mundo comum, ou apenas pareceria triste aos olhares espantados de outros egos aprisionados? Talvez eu me tornasse menos agradável e ao mesmo tempo mais feliz. O que realmente dá medo é pensar em viver num mundo tão doce com a visão amarga e limitada do ego encralacada nos meus sentidos.
Antes que perca a tênue linha de raciocínio que me guiou lentamente pelos últimos parágrafos, vou permanecer aqui, neste mundo em que, buscando por uma liberdade que talvez não exista, pelo menos sei por onde devo sair.