A Floresta Vip

A FLORESTA VIP

Quando as nuvens correm negras no céu como um bando

de corvos errantes, e a lua desmaia como a luz de uma

lâmpada sobre a alvura de uma beleza que dorme,

que melhor noite que a passada ao reflexo das taças?

ÁLVARES DE AZEVEDO

Era uma noite sem lua, apenas nuvens. A densa floresta imersa numa completa escuridão estava. Os ventos farfalhavam as imponentes árvores, ocasionando uma verdadeira sinfonia de aleatórias tonalidades.

Havia uma estrada principal que tinha destino à ‘Pedra das sombras’. E numa das encruzilhadas deste caminho, podia-se ver cinco pontos de luz. Parecia ser algumas pessoas segurando tochas. Tudo indicava que eles estavam rumando para uma pequena área aberta, onde um brasido já alcançava alturas impossíveis.

Chegando ao local, uma das pessoas que estava segurando a tocha, encarregou-se da manutenção da fogueira, outras ficaram na incumbência dos vinhos, da carne de porco e dos artefatos mágicos. Era nítido que alguma comemoração iria acontecer ali. Depois que o fogo ganhou ainda mais intensidade, podia-se ver quem eram aqueles seres: criaturas de orelhas pontudas, pele verde e estatura bem baixa. Muitos os chamam de duendes, seres dotados de grandes habilidades para o comércio e para a magia.

No momento em que os duendes se ocupavam dos seus afazeres, eis que se materializam das fumaças cinzentas três bruxas vestindo capas pretas bem decrépitas; uma tinha o cabelo de cor vermelha, a outra azul e a última verde.

- Muito bem, meus verdinhos. Estão trabalhando bem e são pontuais como sempre. A propósito, como estão os materiais para o ritual? Perguntou a bruxa de cabelo vermelho a um dos duendes.

- Tudo já foi providenciado, cabelo de rubi. Asas de morcego, olhos de crocodilo, o visgo da casa maldita, os urubus do Dr. Viera-Cluster, os cabelos dourados da deusa da perdição da megalomania das alturas, os dentes do falecido conde Visgomorten, os membros da donzela perdida. Como pode notar, falta apenas a chagada dos convidados.

- Oh, lá vem o vacilante lobisomem. Ah, quem o convidou? Perguntou a bruxa de cabelo verde.

- Ah, querida. Pessoas asquerosas convidam a si mesmas. Deixe-o vir, amanhã ele não se lembrará de nada do que aconteceu aqui. Disse a bruxa de cabelo azul.

- Grrrrr... por que não recebi formalmente o convite para esta sublime reunião? Quis saber o lobisomem.

- Oh, seres das profundezas! Ele nem sabe do que se trata este encontro. Meu querido felino...

- Grrrrr... pare de me tratar como um verme desprezível. Posso degolar tua cabeça só para saciar o que seria a preliminar da sobremesa. Atalhou o lobisomem.

- Bem, tu virarias um verme antes...

- Mas que discussão mais desairosa e infrutífera. Esqueceram-se do real motivo desta reunião? Acho que não.

Com a silhueta vermelha delineada no céu negro, surge o grande gárgula vermelho.

- Eu achava que o nosso mestre estava contigo. Só falta a sua presença para que a grande reunião tenha início. Onde ele está? Inquiriu a bruxa de cabelo verde.

- Ei-lo atrás de ti.

Era o mestre necromante, conhecedor de toda magia negra. Um velho cheio de rugas e estatura bem baixa.

- É chegado o grande momento, meus discípulos. A mais soberba de todas as magias será feita, a mais extraordinária maldição jamais realizada por nenhum bruxo. Bebamos um pouco em comemoração desta briosa ocasião. Meus verdinhos, espero que esteja tudo providenciado.

- Sim mestre, seguimos fielmente a suas recomendações e as solicitações das três senhoras das magias, ou seja, vinho em abundância. Jubilosos também estamos por esta suprema ocasião.

- Chega de conversa. Bebamos primeiro! Interrompeu a bruxa de cabelo azul.

Duas horas depois...

- Comecemos o ritual, o maior de todos, mas... parem com esta orgia... é preciso concentração... Concen...

- Ah, mestre, quão apetitoso é este felino... não pare... às profundezas com ardor...

- Já chega, cabelo de safira. Tu já o usaste em demasia, não há de sobrar nada para mim. É chegada a minha vez... transformar-te-ei numa víbora...ic...ic... meu estômago...

- Ah, Ah, Ah! Não vá desmaiar agora, cabelo de rubi, não repita o gesto da sua lamentável irmã, que jorrou todo o vinho num de meus irmãos.

- Duende desgraçado, como ousas falar neste tom com a minha irmã? Tu ficarás mais verde do que tu já és. Usar-te-ei até o fim de suas forças... mas ... meu... não consigo nem me içar. Dai-me uma força, cabelo de esmeralda.

- Estou com três destes duendes insaciáveis em cima de mim... à grande magia... às profundezas com ardor... não ousem parar.

- Mestre, acho que a idéia das senhoras das magias, sobre ter trazido vinho em demasia, não foi de toda conveniente. Veja o estado lamentável delas. Não conseguiremos realizar a soberba magia.

- Tens tu a plena razão, grande gárgula. Isso está fora do controle. Hei de resolver esta situação. Porei um fim a esta bebedeira descontrolada. Parem todos... ai, meu pobre estômago... carne de porco maldita... bléeeeee.

- Veja, o mestre não é resistente aos vinhos. Duende desgraçado, por falar em vinho, vá buscar mais e saia de cima de mim. Não sinto mais prazer por ti. Bebamos!

- O vinho acabou... que tragédia! O que eu posso fazer por ti, cabelo de safira?

- Jogue-te na fogueira. Tu disseste que era abundante o vinho.

- Muito bem, acabou a bebedeira e a orgia. Façamos agora a soberba magia. Aproveitemos a tragédia da escassez dos vinhos e façamos a magia. Ah, meu débil estômago...

- Chamem os anões! Eles devem ter barris de cerveja. Anões, seres cobiçosos e avarentos das profundezas das montanhas perdidas, eu vos convoco.

Com um simples gesto dos dedos, cabelo de safira tele transporta três anões, junto com três barris de cerveja.

- A partir de agora, tendo em vista a urgência da embriagues, vós sois convidados para esta ultra-secreta reunião...ic...ic... acho que vou...

- Ah, Ah, Ah. Duas bruxas totalmente fora de si e uma completamente consumida pelo vinho. Isso é algo raro de se vê. Pois muito bem, bebamos a este momento, seja ele qual for. Disse surpreso um dos anões.

Durante mais uma hora e meia, eles beberam e prosseguiram com a dita orgia. Tanto o mestre necromante quanto o gárgula cederam aos excessos. Os únicos que ainda estavam na sua duvidosa lucidez foram os anões.

- Finalmente, a grande magia. Disse o mestre necromante.

- Sim... a magia... se eu me lembrar da seqüência das palavras... acorda cabelo de safira. É chagada a hora.

- Que magia? Minha cabeça... estou num novo patamar... minha visão...tudo triplo.

- Gárgula! Acorde!

- Se eu me erguer, hei de cair novamente. A cerveja dos anões são as melhores.

- Ai, a minha cabeça dói. Qual a seqüência das palavras e dos ingredientes? Não consigo me lembrar. Disse o mestre necormante.

- Onde se encontra o dente do conde Visgomorten?... Encontrei! Minha irmanzinha, olhe! Buuuuuuu!... com quem eu me pareço usando estes dentes?.....Buuuuuuuu!

- Pare com isso, cabelo de esmeralda. Ai, minhas pernas bambas estão. Mestre, acho que podemos começar com os dentes do conde.

- Sim. Jogue no caldeirão.

- Agora, os urubus do Dr. Viera-Cluster. Disse cabelo de safira.

- Não. Os membros da jovem perdida vêm primeiro. Disse o mestre necromante.

- Não mestre. Os urubus... ai, minha cabeça está uma desordem...

- Pare resolver tal impasse, jogue os dois ao mesmo tempo. Disse um dos duendes.

- Não tem ritmo. Idiota! Por que tu não te jogas também no caldeirão? Seria uma sórdida vitamina de abacate. Disse cabelo de esmeralda.

- Minha adaga há de deslizar no seu pescoço sua...

- Já chega! Jogue, além destes dois itens, os cabelos dourados da deusa da perdição da megalomania das alturas. Todos eles ao mesmo tempo. Agora! Bradou o mestre necromante.

- Tem certeza? Perguntou o sôfrego gárgula.

- Obedeçam!

- Certo. Agora chegou a vez das asas dos morcegos e os olhos dos crocodilos. Tudo duma vez! Obedeça seu porco verde! Ordenou cabelo de safira aos duendes.

- Esperem, eu – o senhor das montanhas e da metalurgia – também hei de me jogar neste caldeirão. Salto ornamental...!

- Que sono forçado eu tive. Mas por que o caldeirão está ficando amarelo? Não era para ficar púrpuro? Perguntou assombrada, cabelo de rubi.

- Não tem ritmo. Mas... por que está saindo aquela gosma do caldeirão? Mestre, faça alguma coisa! Disse cabelo de esmeralda.

- Mestre! O líquido está esquentando deveras. Argumentou cabelo de safira.

- Minha cabeça dói... acho que não foi uma boa idéia jogar tudo duma vez. A culpa é destas bêbadas, com as suas idéias de trazerem vinho em abundância e tele transportar anões beberrões de cervejas. Se não fossem as bebidas, isso não aconteceria. A magia sairia perfeita. Agora veja isto! Tudo está fora de controle.

Realmente! Tudo estava fora de controle. O caldeirão começou balançar numa dança totalmente fora do compasso. Uma gosma viscosa se formou ali dentro do recipiente e aumentava cada vez mais de tamanho numa velocidade alarmante. Até mesmo o céu mudara de configuração, dum tom sombrio para um amarelo escuro. Todos os ventos pareciam caminhar para a direção do caldeirão. A terra começou a tremer de dor quando a mucosidade foi derramada no chão.

De repente, uma enorme explosão. Tudo num raio de meio quilômetro foi devastado. Exceto...

A aurora nasce insensível àquela desastrosa noite que passou. Mais indiferentes ainda são os pássaros, que cantam e sobrevoam aquela pequena área destruída por uma força inteiramente desconhecida. Ainda podia-se ver imperceptíveis fumaças amareladas saindo daquele desolado espaço.

No início do esplendor solar, uma lindíssima jovem de cabelos dourados, vestindo uma roupa caipira, passeia por ali perto. Pela sua fisionomia, ela aparenta estar completamente apaixonada por algum mancebo. Ela não apenas anda, mas dança, canta e pula num eterno regozijo.

Ao chegar à área arrasada, ela fica espantada, não somente pela magnitude da destruição, mas por avistar um corpo estendido ao lado dum sinistro caldeirão. Quando ela se aproxima do corpo, nota que este se encontra completamente nu. Com um pouco de hesitação, a jovem o vira para o seu lado com o intuito de identificá-lo. Um novo susto. Era a paixão da sua vida, inconsciente, sujo e fétido. Ela tenta reanimá-lo e vagarosamente ele abre os olhos de ressaca, dá um leve bocejo, põe as mãos no rosto e tenta compreender o que se passara naquela incompreensível noite.

- O que foi que aconteceu? Perguntou.

- Não faço a mínima idéia amor. Eu estava passeando e de repente o encontro aqui. E tu estás com um cheiro esquisito, acho que é vinho misturado com cerveja e... não sei. Tu não te lembras de nada mesmo?

- Não. Mas recordo-me dum sonho estranho. Estava eu a participar duma orgia com seres estranhos. Havia alguns duendes, três bruxas, um velho de capa preta, três anões e terrível demônio. Todos eles bebiam, cantavam e dançavam ao redor duma fogueira. No fim, eles tentaram realizar uma poderosa magia, “A maior de todas as magias”, segundo eles próprios. Entretanto, algo saiu errado e resultado foi isto que tu estás a ver.

- Tu falas com muita convicção deste sonho. Pareceu tão real para mim.

- Mas... será realmente que foi real? Meu Deus! Será que eu participei daquela obscena bestialidade? Não é possível... oh céus!... não pode ser.

- Não chores, meu amor. Não é de tua índole participar deste tipo de esquisitices. Deve haver outra explicação. Olhe! Não sei como isso foi possível, mas nem tudo aqui está morto. Veja esta plantinha! Parece que somente ela sobreviveu.

- Pois eu acredito que ela nasceu com esta devastação.

- Pode até ser. Mas, quão linda é esta plantinha! Oh!

- Não! Não toque nisso! Nãoooooooooooooooooo................!!!!!!!!!!

Ramon de Freitas Ribeiro
Enviado por Ramon de Freitas Ribeiro em 05/04/2010
Código do texto: T2179334
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