Salvamento noturno
Rinaldo estava viajando em um vôo intercontinental noturno, indo do Brasil para a Itália. E em dado momento, após umas três horas de vôo sobre o mar, ele percebera pela janela, lá em baixo, a luz de um foguete sinalizador, desses de emergência, indicando ser náufragos pedindo socorro. Sem pensar duas vezes, correu e entrou em contato com o comandante da aeronave, narrando o fato. Dada a insistência do passageiro, o comandante avisou à torre mais próxima, ainda não tinha saído do alcance dos controles do continente americano, e voltou em sua trajetória, na tentativa de ver algo novamente, mas nada viu na escuridão da noite e se planejava retomar seu curso normal da viagem, uma vez que entre os outros passageiros indagados a respeito, ninguém vira a tal luz de sinalização. Poderia ser uma imaginação fértil daquele passageiro. Foi então que também o piloto viu um segundo sinal cortando a noite. Realmente haviam náufragos que deveriam ser socorridos.
Bastava definir bem a localização e enviar pedido de socorro.
Mas Rinaldo, em desespero, disse e gritava que algo tinha que ser feito urgente. Após alguns segundos de hesitação, o comandante aceitou seu pedido de lhe atirar ao mar, envolto em equipamentos e acolchoados. Antes, lhe fez ver que isso seria uma operação extremamente arriscada, beirando ao suicídio.
Então, após essas advertências, na presença de alguns tripulantes, na forma de o piloto se eximir de culpas, ele então foi envolvido em camadas de cobertores, barco inflável, víveres, lanterna, primeiros socorros, GPS, até formar um grande e desengonçado pacote, e com dificuldade foi jogado ao mar, no local que supunha ser, pelas coordenadas e pela sinalização luminosa, tempo de vôo, e demais informações de bordo, próximo dos náufragos.
Assim, o avião descreveu três voltas em círculo sobre o provável local, a baixa altitude e velocidade e em tempo recorde, com auxílio dos tripulantes, Rinaldo foi atirado ao mar, envolto no que com sorte, serviria de amortecedor. Mas também poderia ser jogado à morte, ele sabia disso. Mesmo assim ele não hesitou, sabia da importância e da urgência naquela decisão. Sabia que se encontrava a algo em torno de 3000 e 4000 quilômetros da costa. Antes de soltar o voluntário pela porta lateral traseira do compartimento de carga da aeronave, o comandante reduziu a velocidade e a altitude o máximo que foi possível, sem ultrapassar a margem de segurança.
Feita a descompressão daquele porão, o homem voou por uns trezentos metros em queda livre, na escuridão absoluta, iluminado apenas por estrelas e o reflexo dessas nas águas do Atlântico, que naquele momento estavam muito calmas.
A queda na água provocou um imenso baque, quase desfalecendo-o. O mergulho não foi possível ser medido, mas algum tempo depois ele sentia que estava de volta à toma, muito zonzo e meio desmaiado, com muitas dores no corpo. Com muito esforço ele conseguiu desamarrar as cordas que prendia todo o fardo que estava envolto em seu corpo, estrategicamente atados um ao outro, todos os fardos, para que não se dispersassem e se perdessem. Uma ponta da corda estava em sua mão, amarrada ao punho, de forma que bastava puxar que tudo se desprendia de seu corpo, mas não se dispersava.
O barco inflável foi aberto e ele com dificuldade pela queda, ainda meio tonto, subiu neste e finalmente conseguiu respirar profundamente, enquanto o ruído das turbinas do avião ganhava distância rapidamente e depoisn de um minuto aproximadamente não o ouvia mais, nem sequer via suas luzes coloridas piscando. O silêncio reinou por uns instantes.
Ele sabia que tinha uma árdua missão pela frente, que era a de localizar os náufragos. Poderiam estar a quilômetros de distância. Poderia ser uma missão impossível. Não se preocupava consigo próprio, pois sabia que socorro haveria de chegar mais cedo ou mais tarde, afinal ele seria facilmente localizado pelo sinalizador que trazia consigo.
Ficou atento por um certo tempo, um minuto, talvez mais, quando viu à sua frente, provavelmente a um quilômetro, pouco mais, novo foguete sinalizador, cortando a escuridão da noite, num vermelho brilhante. Compreendeu que por sorte não estava tão distante.
Deu um grito: - Olá...
Ouviu resposta de alguém gritando ao longe, sem conseguir identificar o que diziam. Não conseguia ver nada, apenas o céu estrelado cobrindo o mar no horizonte arredondado e distante. Começou a se orientar pelos gritos que ouvia ao longe e se dirigir com dificuldade até ele. Sentia dores no corpo, cansaço. Mas estava determinado a encontrar quem estivesse à sua frente. Com o passar do tempo, sempre remando freneticamente, esperava estar se aproximando. Esperava contar com as correntes das águas. Se estivessem contra, pouco adiantaria seu esforço, até porque seu remo era minúsculo, não se destinava a serviço pesado. Antes porém acionou o sinalizador eletrônico, seria ele a peça fundamental para que fossem encontrados. Dispunha também de uma lanterna de acoplar à cabeça, que fez uso, seria de seu auxílio na escuridão.
Daí em diante, começou a remar com toda força em direção aos náufragos, regularmente gritando e recebendo respostas. Nunca imaginaria quanto seria cansativo remar aquela distância, arrastando um cordão de pertences flutuando atrás dele, amarrados ao bote. Mais de uma hora depois, já visualizava vultos, que viria a saber, se tratar de três pessoas, todas cansadas, famintas e sedentas, quase se desfalecendo.
Compreendeu ao se aproximar, que falavam a língua espanhola, o que facilitou a comunicação. Eles se apoiavam em pequenos pedaços de madeiras e um bote inflável já quase submerso, com avarias. Teriam muito pouco tempo de vida, se não tivessem sido resgatados. Os náufragos entraram com dificuldade no bote, se jogaram em seu interior, exaustos e ofegantes.
Era uma família composta por um casal, ele com 50 e ela com 45 e uma filha de 25 anos. Eles receberam uma porção de água que sorveram poucos goles, com calma, pois estavam muito desidratados e sabiam que não podiam beber muita água de uma só vez.
Em seguida, receberam barras de cereais, tinha em abundância para todos, que comeram em silêncio.
Meia hora depois, a família se abraçou, e como que acordando de um pesadelo e começaram a chorar emotivamente. Abraçaram ao homem que lhes salvou a vida. Sabia que em questão de horas, estariam mergulhados na imensidão de água salgada, se não recebessem ajuda. Seria o fim daquela família que mais tarde se soube, estavam num passeio em um iate e que naufragaram por causas inexplicáveis e estavam a sete dias à deriva, isolados e sem comunicação e as provisões de água e mantimentos haviam se esgotado no dia anterior.
Algumas horas depois, mais tranqüilos, começaram a conversar com o homem quem lhes salvara a vida.
O dia chegou, trazendo esperança para todas aquelas pessoas. Puderam ver amarrados ao bote salva vidas, outro bote e pacotes do que certamente seria alimentos, agasalhos, água... Estavam a salvos.
- Estamos muitos felizes que tenha aparecido. Só pode ter sido um milagre – Dizia o homem. - Sou Fernandez, minha esposa Laurita e nossa filha Manuela. Somos da Espanha.
- Estou feliz que estejam bem. Sou Rinaldo, do Brasil e estou em viagem para a Itália, a negócio. Estava! – Frisou sorrindo.
Queriam saber como foram encontrados, como aquele homem os encontrou. Sabiam que um avião passou sobre eles em grande altitude e depois sobrevoou em círculo, muito baixo, próximo de onde estavam. Mas como poderiam saber? A escuridão impedia qualquer visualização e mesmo que fosse durante o dia só por milagre seriam vistos, pois os aviões continentais voam muito alto. Inclusive, durante os dias de naufrágio, viram vários, passando sobre eles. Parecia ser uma rodovia aérea.
Rinaldo explicou então que viu as luzes de seu foguete sinalizador e urgentemente entrou em contato com o comandante, que pouco depois, ao voltar, viu o segundo disparo. Ele então, embora temeroso, proporcionou e autorizou seu salto com os equipamentos e víveres. Já em água, foram localizados pelo segundo disparo luminoso.
Os náufragos se entreolharam e abraçaram aquele homem, não entendiam o que ele falava, não era condizente. Então, diante do clima de incredulidade explicou:
- Nós só tínhamos dois únicos cartuchos do sinalizador! O primeiro foi disparado quando percebemos o avião retornando, o segundo já depois que ouvimos barulho de algo caindo sobre as águas! Logo em seguida ouvimos sua voz gritando e respondemos.
Algumas horas mais tarde, sol alto, um cargueiro transatlântico se aproximou deles e prestou socorro. Estava na rota aproximada, quando receberam o pedido de socorro emitido pela Guarda Costeira e se deslocou até lá, guiados pelo sinalizador eletrônico.
Nem os náufragos, nem Rinaldo, jamais souberam explicar aquele primeiro disparo de sinal! Entretanto, isso não os incomodava. Tinham uma única certeza: Foram gratificados por um milagre, por fenômenos da natureza ou outra forma de explicação.
Aquelas pessoas passaram a se comunicar com regularidade. Se tornaram verdadeiros amigos.
Na primavera do ano seguinte o novo amigo foi convidado para a festa de casamento de Manuela, o que aceitou prontamente. Estavam felizes. Sabia que tinha ali amigos para o resto de sua vida! Compartilhavam um mistério que não ousavam desvendar ou procurar explicações. Não era preciso. Estavam vivos e isso lhes bastava.
Ainda assim, aquele fenômeno trouxe-lhes uma nova forma de percepção da importância da vida e de suas condutas. Tinham, em sua cumplicidade silenciosa, a necessidade de conduzir melhor as suas próprias vidas e de melhor se fazerem pessoas do bem. E levavam isso a sério.