um trocado por uma poesia

um trocado por uma poesia

Um Trocado

Por uma

Poesia

Conto de:

Wagner Criso

“Um Trocado por uma Poesia”

- João de Deus, era um Mulatinho de olhos trigueiros e espertos, de um sorriso alegre e encantador.

Desde muito pequeno, trabalhava junto aos pais nos fornos de carvão de uma enorme fazenda, no interior do sertão brasileiro.

Na enorme fazenda, João de Deus, juntos com os pais e mais dezenas de outros trabalhadores, produziam em enormes fornos de barro, carvão vegetal.

João de Deus nunca teve tempo pra brincar nem estudar.

A vida dura e miserável, a falta de condições mínimas de higiene e a alimentação fraca e escassa, levaram o Mulatinho a se tornar órfão de Pai e Mãe.

Seus Pais deixavam de comer para alimentá-lo.

Após o falecimento de seus amados pais, sem parentes por perto, sem ninguém para se responsabilizar por ele. João de Deus o Mulatinho, foi expulso pelo Coronel Animal, dono da fazenda que produzia carvão vegetal, com mão-de-obra semi-escrava.

E aos dez anos de idade, órfão, analfabeto, sem ter onde morar e sem amigos nem irmãos, João de Deus sozinho na vida, teve que tomar uma decisão de gente grande.

Sem bens materiais para carregar, a não ser uma foto velha e desgastada dos pais junto a ele, sem dinheiro pra gastar e descalço, teve que decidir. – ou se entregava e morria como os pais, ou levantava a triste cabecinha e prosseguia mundo afora.

- Decidiu pela segunda opção!

Era tarde quando João de Deus, sozinho. Pegou a estrada de terra em direção a lugar algum.

Após horas exaustivas de caminhada, faminto e com os pés machucados, o Mulatinho que outrora ostentava um belo e singelo sorriso alegre, se rendeu ao cansaço e encostado a uma árvore a beira da estrada de terra, adormeceu.

Despertado pelos primeiros raios solares, o cantar belo dos pássaros variados, pelos galos afinados das fazendas próximas e pelo som forte da buzina de um caminhão carvoeiro.

Que indo buscar o carvão vegetal queimado nos fornos de barro da fazenda, produzido por mão de obra de Velhos, Senhoras e crianças.

Deparou-se com aquela criança mulatinha deitada no meio da estrada de terra.

- Deve ter rolado para o meio da estrada de terra enquanto dormia.

O motorista do caminhão carvoeiro gritava nervoso: - Ô moleque, o que você faz ai deitado no chão no meio da estrada?

João de Deus levantou-se depressa e assustado.

Limpando a roupa esfarrapada e suja de poeira que estava usando, respondeu:

- Desculpa moço, eu estava dormindo encostado á árvore, não sei como vim parar aqui no meio da estrada!

- E ai no chão, no meio da estrada é lugar de dormir menino?

- Não é não senhor, mas é que eu estava muito cansado e não tenho para onde ir!

- Onde estão seus pais Mulatinho?

João de Deus de cabeça baixa e com lágrimas nos olhos tristes respondeu:

- Estão mortos!

O motorista do caminhão carvoeiro então, se compadecendo da indefesa criatura.

Desceu do seu caminhão e foi até o triste menino mulato.

- Não fica assim menino. Olha acredita em Deus que ele está olhando por você. E com certeza ele irá te amparar. O que posso fazer por você?

- Nada moço obrigado. Meu destino agora é caminhar sozinho. Com a ajuda de Deus é claro!

- Pra onde você está indo Mulatinho?

- Não sei Moço, vou andar até que encontre um lugar onde possa trabalhar e sobreviver!

- Olha, a uns dez quilômetros adiante, tem uma cidadezinha muito acolhedora e hospitaleira, talvez esteja lá o seu destino.

- E como eu faço pra chegar lá Moço?

- É só você seguir por esta estrada, ela o levará ao seu destino Mulatinho. ( o Motorista do caminhão carvoeiro passou a mão na cabeça de João de Deus. )

- Mas você terá que ter coragem Mulatinho.

- Eu terei coragem moço, eu terei!

- Então boa sorte para você. Agora eu tenho que ir, já estou atrasado. Até logo Mulatinho.

- Até logo pro Senhor também.

O motorista voltou ao caminhão carvoeiro, e quando já arrancava o caminhão, parou novamente.

- Mulatinho você já comeu alguma coisa hoje?

João de Deus que de cabeça baixa já havia retomado o caminho que o levaria ao seu objetivo, parou no meio da estrada de terra, olhou pra trás e respondeu:

- Não senhor, desde ontem que eu não como nada!

- Então tome, fique com o meu sanduíche.

João de Deus correu alegre, subiu no estribo do caminhão carvoeiro e pegou o sanduíche da mão do motorista, falando:

- Obrigada Moço, que Deus lhe pague.

- Amém. Agora me deixa ir embora. Até logo Mulatinho.

- Até logo pro Senhor também.

João de Deus pulou do estribo do caminhou.

- Moço... moço...moço... Como é o nome do senhor?

- Gabriel. E como você se chama Mulatinho?

- João de Deus.

- Vá com Deus João de Deus.

O Motorista Gabriel saiu levantando poeira com o seu pesado caminhão carvoeiro.

João de Deus ficou acenando com a mão e gritando, em pé no meio da estrada de terra: - Vá com Deus também senhor Gabriel.

João de Deus ficou olhando o caminhão carvoeiro se afastar até sumir por completo em meio a poeira de terra, e comentou baixinho:

- Gabriel, o mesmo nome do Arcanjo de Deus que a minha Santa Mãezinha falava que iria me proteger.

E comendo o sanduíche que acabara de ganhar do bondoso motorista Gabriel, retomou o caminho pela estrada de terra rumo ao desconhecido.

Na longa jornada solitária, que o conduziria ao pequeno município das Gerais, João de Deus viu caído á beira da estrada de terra um pequeno livro de capas reluzentes.

Pensou: - Deve ter caído da mochila de algum Estudante descuidado que trabalhava com ele nos fornos de carvão vegetal na fazenda de terras devolutas.

- Mas como? Continuou pensando: - Se nenhum menino que trabalhava pesado nos fornos de carvão vegetal podia estudar?

Mas o livro o atraia como um imã atrai o metal.

E antes de apanhá-lo do chão, olhou para todos os lados, se o dono estivesse por perto o entregaria. Mas como já caminhava a horas sem ter visto uma alma viva sequer, caminhou em direção ao livro de capas reluzentes.

De repente, uma luz forte vinda do céu, reluziu a capa do livro ainda mais.

João de Deus então teve a sensação de que era um presente dos céus para ele.

Sem entender ainda o significado de tão estranha sensação, apanhou o pequeno livro de capas reluzentes.

Como não sabia ler, ficou admirando o livro que acabara de encontrar, tendo a sensação somente que aquele objeto teria algum valor mais tarde.

João de Deus não conhecia as palavras, então colocou o pequeno livro de capas reluzentes embaixo dos braços e pôs-se a caminhar.

Agora não estava mais tão sozinho como outrora, já tinha a foto dele junto aos pais, mais a presença do pequeno livro de capas reluzentes para acompanhá-lo.

E tomado por uma esperança tamanha, continuou a caminhar.

Já era por volta das oito horas da noite, quando João de Deus chegou à praça principal do pequeno município das Minas Gerais, onde se localizava a Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso.

Magnífica construção religiosa, erguida pelo Mestre Aleijadinho

Cansado e faminto da longa jornada, sem ter tido coragem para pedir pousada ou um prato de comida, sentou-se em um banco de concreto frio da Praça da Matriz.

Permaneceu ali encolhido, esperando o vai-e-vem das pessoas diminuír até acabar.

E ficando mais uma vez sozinho, sentindo frio, esperou que a porta da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, erguida pelo talentoso Antônio Francisco Lisboa.

O Aleijadinho, fosse fechada e sem que ninguém o notasse, se recolheu ao pé da enorme porta de madeira esculpida do templo sagrado.

João de Deus encolhido, sentindo frio e com fome adormeceu exausto.

Sem que ninguém visse, um manto de Santa desceu do alto da torre da Matriz e envolveu o corpo do humilde Mulatinho, o protegendo do frio.

Sem perceber ou sentir o manto santo, abraçado ao pequeno livro de capas reluzentes, aquecido, esboçou um largo e espontâneo sorriso de satisfação e agradecimento e adormeceu.

Acordado pelos badalos dos sinos da Matriz, anunciando que já eram seis horas da manhã, pelas vozes das pessoas que começavam um vai-e-vem incansável e pelo barulho das charretes que contornavam a Praça da Matriz.

João de Deus sentou-se nas escadas da Igreja, ninguém o percebeu ou fingiram não o perceber.

O manto de Santa, como em milagre não se via mais sobre o menino Mulatinho.

Acordado, ainda mais faminto, encostado a pilastra da inenarrável construção religiosa do Mestre Aleijadinho.

Com vergonha de pedir ajuda ou um pedaço de pão. Como se esperasse por um milagre, abraçado ao pequeno livro de capas reluzentes, permaneceu de cabeça baixa.

Até que o mesmo facho de luz, vindo dos céus, que iluminou o pequeno livro na beira da estrada, onde João de Deus o havia encontrado, resplandeceu novamente e o iluminou como fizera outrora.

Era uma luz tão forte mas que só João de Deus a via, acompanhada de uma voz que só o menino Mulatinho a ouvia.

Dizia baixinho em seu ouvido de Menino:

- João de Deus, levante-se daí meu filho. Coloque o seu chapéu no chão e comece a ler as poesias deste livro que o presenteei.

João de Deus teve medo. Suas pernas finas tremiam, não queria se levantar e respondeu. Ainda de cabeça baixa: - Mas... mas... eu não sei ler... Eu...eu... nunca fui a uma escola... Eu...eu... sou analfabeto de Pai e Mãe!

A voz baixinha que falava nos ouvidos do menino Mulatinho, insistiu: - Não tenha medo João de Deus.” Eu estou contigo!” Levante-se e leia as poesias deste pequeno livro em voz bem alta.

João de Deus obedeceu. Colocou o chapéu esfarrapado de palha no chão, levantou-se, abriu o pequeno livro de capas reluzentes, e como em um milagre, começou a ler em voz alta as poesias do pequeno livro.

Transeuntes começaram a parar para ouvirem aquele menino mulatinho, de pés no chão e com as roupas esfarrapadas, que recitava confiante e como ninguém as poesias daquele pequeno livro de capas reluzentes de um Autor desconhecido.

Moedas e notas de dinheiro começavam a cair em seu chapéu de palha.

E enquanto João de Deus, com um lindo sorriso nos olhos e lábios, chamava as pessoas dizendo em voz alta: - Aproximem-se Senhoras e Senhores, venham se encantar ouvindo belas poesias.

Senhoras, Senhores, Rapazes, Moças, Meninos e Meninas.

Todos encantados com o recital inesperado daquele menino Mulatinho.

Que dizia entre os poemas que recitava: - Meu nome é João de Deus Senhoras e senhores. Por favor, um trocado por uma poesia.

E João de Deus, iluminado pela luz forte vinda dos céus, em voz alta, outro poema do pequeno livro de capas reluzentes recitava.

Enquanto seu chapéu esfarrapado de palha se enchia de notas e moedas.

O incansável João de Deus, outro poema recitava.

***************************** FIM *********************************

Obra de Wagner Criso

Agosto de 2008

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Wagner Crisóstomo de Oliveira