O DESABAFO DE UM DEFUNTO
Se ele pudesse falar diria:
"-Entrem. Não se acanhem!
Na sala contígua a esta capela mortuária vocês poderão encontrar chá e café. Sirvam-se à vontade!
Não reparem eu não poder lhes dar melhor atenção, devido a minha absoluta imobilidade.
Vejo alguns conhecidos que costumavam me visitar quando eu estava doente. Estes são raros! A grande maioria sei que está aqui apenas por obrigação social. Mas eu entendo. Afinal passamos toda a vida dando mais importância a isto do que a verdadeira solidariedade.
Sei também que muitos que estão aqui presentes talvez não se encontrassem há muito tempo. Nessa circunstância, paradoxalmente, manifestam uma grande alegria, falando alto, contando piadas e até abordando assuntos de natureza política. Não posso negar que isto me incomoda porque julgo um desrespeito com o sentimento dos meus familiares. Pelo menos pediria um pouco de silêncio pra que eu possa desfrutar da minha profunda reflexão mortal..."