A lua e a saudade

A lua e a saudade

Neste dia o poeta estava sentado embaixo da sua acácia preferida, aproveitando à sombra daquela árvore amiga e acolhedora a oportunidade para descansar e refletir mais sobre o vale e a vida.

Pensava o poeta que os cachos da acácia assemelhavam-se aos cabelos da lua cheia, porque lembrava justo a majestade com que ela resplandecia à luz refratada, transportando o vale num solar imperturbável aos corações enlaçados.

A árvore leguminosa, ornamentava as margens do riacho transformando-o num longo tapete amarelo, refletindo ainda mais a luz do sol que ardia o vale, aquecendo todos os elementos, permitindo que a vida se fizesse mais prenhe.

O tico-tico saltitava, enquanto que um bem-te-vi passeava tranqüilo na areia macia do caminho que nos levava até uma plantação de gerânio. Era a vida presente sustentada pelo calor do sol.

O poeta que voava por sobre as brumas que se espargiam vindo de um filete d' água que chorava por entre as pedras plantadas no sopé do monte, deixava entrever a alma a galope.

Os pensamentos trotavam como se saltassem

compassadamente, era como querer ir adiante sem deixar de pensar o que já fora pensado.

Recordava ele os tempos de menino, as brincadeiras, os banhos no rio e os mergulhos que dava dos ingazeiros que pendiam sobre as águas. Assim trotava o poeta em suas lembranças de outrora. Não sei como isso se dava, mas era mágico o encontro com a lua. O poeta desprendia-se totalmente e pairava sobre seus pensamentos, fazendo deles um enorme colchão e flutuava em cada história.

Lembro-me por exemplo de uma que é contada por ele: o vale fora freqüentado há algumas centenas de anos por animais extremamente ferozes, os mais temíveis da fauna e, exatamente na fenda por onde desce o filete d’água e que ainda serve de passagem para a caverna, aparecia de quando em vez uma pequena jovem de olhos mansos e rasgados, cabelos lisos e longos, bem negros e deixava-se acompanhar de um enorme tamanduá. Era seu animal de estimação, mas guardava enormes proporções. Acreditava-se que jamais alguém houvera ousar aproximar-se da jovem uma vez que o animal a tinha sob extremo cuidado.

Era de hábito a jovem banhar-se à noite, quando nas mais quentes e principalmente se estivesse no chão toda a luz da lua, sem deixar seu gigantesco amigo.

A caverna atingia enorme profundidade e ninguém que habitava o vale ousava entrar, porque contavam as histórias mais terríveis a cerca dos animais que nela viviam. Era uma dedução simples a partir do tamanduá. Esse todos conheciam, porque além das formigas que caçava não deixava de sacudir

as amoreiras, fruta de preferência da jovem.

O poeta conta que deve ter sido exatamente da mesma caverna que surgiu dia claro um jovem e como não conhecia o vale distraiu-se com seus encantamentos, por ser totalmente diferente da paisagem que estava habituado a ver.

A noite cai e a lua surge lentamente. O rapaz que havia adormecido na relva próximo à acácia do poeta, desperta meio sonolento e tomado pela imagem da jovem que banhava-se; sem se dar conta de sua presença; deitado quase junto à acácia esfrega os olhos querendo melhorar a visão.

O gigantesco animal ali próximo sacudia uma amoreira, porque logo após o banho ela iria recolher do chão as amoras iluminadas pela lua.

O jovem embevecido com tão exuberante imagem fica paralisado até que a moça se vai por entre caverna, levando sua cesta cheia de amoras.

A cena se repete por várias luas e o jovem passou a morar debaixo da acácia preferida do poeta, não mais retornando à caverna. Diz o poeta que o jovem rapaz ali ficou encantado com a lua e a menina e, dali, não mais saiu. Todos dizem que debaixo da acácia até hoje permanece um volume grande de cachos que caem; mas é a planta que orna a cama do menino e ele ali espera a lua e sua amada. A amoreira como sempre amanhece acarpetada, mas ninguém vê o tamanduá; só o poeta diz não saber da sua vontade imensa de abraçar alguém quando a lua surge no céu.

JPonto
Enviado por JPonto em 05/03/2010
Código do texto: T2122312